A Natura&Co apresentou um primeiro tri apenas marginalmente melhor — mas a expectativa do mercado era tão baixa que o papel decolou 15% com os investidores respirando aliviados com a estabilização de algumas linhas de negócio.
“Algumas coisas de fato melhoraram bem: a margem Brasil foi bem, e as vendas também. Mas Latam, que é a execução de Avon, continua indo mal, e a The Body Shop também não foi bem em nada,” disse um gestor comprado no papel.
Segundo ele, a alta de hoje pode ter a ver com as expectativas. “O pessoal estava muito pessimista, então uma normalização nas margens e uma melhora em alguns aspectos já anima,” disse ele. “Mas nas minhas contas, essa normalização já estava no preço. Não foi nenhuma surpresa.”
Um analista que cobre a empresa concorda. “Tinha expectativas muito ruins e tinha bastante gente short, então teve um movimento de short cover também.”
No primeiro tri, a Natura&Co teve uma queda de 3% nas vendas, apesar da performance robusta da Natura no Brasil, que cresceu 25%.
A Natura Latam cresceu 7%, mas todas as demais verticais — Avon Latam, Avon International e The Body Shop — tiveram quedas expressivas no top line.
A Avon caiu 1% no Brasil e 15% na América Latina, enquanto a Avon Internacional caiu 13% e a The Body Shop, 9%. Mesmo excluindo o impacto da operação na Ucrânia/Rússia, a Avon Internacional teria caído 3,7%.
Dado o processo de turnaround dessas marcas, a queda nas receitas já era esperada pelo mercado — e vinha sendo sinalizada pela própria empresa.
O que surpreendeu os investidores foi a dinâmica da margem bruta, que expandiu 4,5 pontos percentuais, para 67,7%, e foi o grande impulsionador da expansão da margem EBITDA.
A Natura&Co fez um EBITDA de R$ 846 milhões no trimestre, uma alta de 41% ano contra ano e 15% acima do consenso do sellside. A margem fechou em 10,5%, uma expansão de 3,3 pontos.
“O highlight do trimestre foi a melhora das margens bruta e EBITDA na América Latina, que vão em linha com o discurso da empresa de focar na rentabilidade,” escreveu o analista João Pedro Soares, do Citi. “Dito isso, ainda precisamos entender se essa expansão de margem é realmente sustentável.”
Na call com analistas, o management disse que a reestruturação da Avon Latam está avançando.
“Aumentamos o pedido mínimo, reduzimos o portfólio, eliminamos itens menos rentáveis de tíquete menor e trouxemos o churn para baixo,” disse o CFO Guilherme Castellan. “O objetivo é ficar com os representantes mais produtivos na base, e isso serve para já preparar a companhia para a integração plena com a Natura lá na frente.”
Nos últimos meses, a Natura estava executando o que ela chama de Onda 1 da integração Avon/Natura, que consistiu basicamente nas medidas mais básicas de limpeza de duplicidades e redução do portfólio, por exemplo, na categoria de casa, que a empresa não quer mais investir tanto.
Agora, a companhia está entrando na Onda 2 — a integração de fato da rede Natura e Avon, com a representante vendendo os dois produtos e fazendo o cross selling. A empresa começou a testar agora a Onda 2 no Peru, onde o CFO disse que “os primeiros dados são muito animadores.”
“Do ponto de vista operacional, de sistemas, logística e TI, tudo funcionou muito bem. Isso nos dá confiança de lançar essa iniciativa também na Colômbia, em meados deste ano.”
Para um analista, essa reestruturação ainda apareceu pouco no resultado, apesar da melhora na margem bruta.
“Isso foi um bom sinal, mostra que estão conseguindo compensar aumento de custo, e vendendo produto no preço cheio,” disse ele. “A margem EBITDA subir em linha com a margem bruta também é um sinal de que a integração está acontecendo. Mas esse é um processo que é para os próximos capítulos, que ainda está muito no comecinho.”
Sobre a The Body Shop, o analista disse que “não teve nada de bom no resultado. Pelo contrário, veio até pior do que imaginávamos.” Já a Avon Internacional “é uma bola quadrada tão grande que ninguém está prestando atenção.”
Um gestor notou que o turnaround da Avon e The Body Shop ainda é uma incógnita grande.
“Não é algo dado, que com certeza vai acontecer e que vai acontecer bem feito,” disse ele. “A The Body Shop é um negócio com pouco dinamismo, que não cresce e com as margens tentando voltar a encontrar um patamar melhor, mas que ainda está muito longe de ser um negócio saudável.”
O CEO Fabio Barbosa disse numa call com jornalistas que estava “muito satisfeito” com o resultado do primeiro tri da The Body Shop. “Mas dizer que é um jogo resolvido, não é. É um processo que está em curso.”
Segundo ele, o objetivo com a reestruturação é melhorar as margens, simplificar as linhas de produto e voltar a crescer as vendas.
Como parte desse processo, a Natura trocou o comando da TBS, colocando Ian Bickley para liderar a operação. O executivo — que era board member da Natura — assumiu há apenas 20 dias.
Fabio comparou a troca de comando com a troca de um técnico de futebol. “O time continua lá, mas dá uma nova energia,” disse ele. “Já estamos com algumas medidas relevantes. Estamos olhando a questão digital, reduzindo os SKUs, padronizando as lojas novas e temos um plano para rejuvenescer e melhorar o posicionamento da marca, que é o que permite sair do desconto e trabalhar com preços melhores.”
Outra frente de ataque, segundo ele, é a redução do SG&A, já que com a empresa perdendo receita, as despesas administrativas passaram a representar mais das vendas.
O resultado de hoje é o primeiro desde a venda da Aesop anunciada em abril, que vai permitir à empresa praticamente zerar seu endividamento.
Os recursos vem num momento dramático para a companhia, que viu sua alavancagem subir para 7,5x o EBITDA neste trimestre, com a dívida líquida aumentando de forma relevante por conta de uma queima de caixa de quase R$ 2 bi.
Esse consumo de caixa teve a ver com uma sazonalidade natural do setor. No primeiro tri, a Natura tem que compor estoque para o segundo tri, que tem o Dia das Mães, um evento importante para a companhia. Além disso, ela tem que pagar a conta de fornecedores das compras feitas no tri passado.