Roberto Campos Neto disse que ainda é cedo para falar em redução na taxa de juros — azedando o mercado e empurrando os juros futuros para cima e a Bolsa para baixo.
Com o discurso mais duro, o presidente do Banco Central sinalizou que a Selic ficará alta por mais tempo do que o precificado pelo mercado.
“Não pensamos em cortes de juros no momento,” disse Campos Neto. “Pensamos em finalizar o trabalho e isso significa a convergência da inflação.”
Segundo ele, houve um alívio recentemente na alta de preços, mas em grande parte sob influência das “medidas do governo” de redução de tributos. “Ainda tem um elemento de preocupação grande,” disse o presidente do BC. “A batalha não está ganha.”
Bruno Serra, o diretor de política monetária do BC, foi ainda mais incisivo e disse que considera “inconsistente” o mercado antecipar uma queda da Selic enquanto a inflação para os próximos anos estiver acima da meta.
“A expectativa para 2024, em particular, me incomoda,” disse Serra numa live da Bradesco Asset Management. “A gente está desancorado do centro da meta. O BC tem que manter uma postura bastante cautelosa alguns trimestres pela frente, permanecer vigilante.”
Serra disse que o mercado está “ansioso” para ver a queda da inflação ao esperar quedas de juros ainda no primeiro semestre do ano que vem — mas que é “desafiador imaginar um cenário desses” com a inflação acima da meta.
Os comentários provocaram um ajuste nos mercados brasileiros, em um movimento descolado dos mercados internacionais. Os juros futuros, que vinham operando em retração recentemente, registraram alta expressiva. O DI com vencimento em janeiro de 2024 voltou a ficar acima dos 13%.
Juros em alta, ações em queda: a paulada fez o Ibovespa tombar mais de 2%.
“A interpretação do mercado é que os juros ficarão elevados por mais tempo,” disse o economista Leonardo Costa, da ASA Investments. “O movimento de redução, previsto para o primeiro semestre, dependerá dos números da esperada retração na atividade econômica e do recuo na inflação de serviços.”
Um fator de incerteza é a política fiscal. “Pelos comentários, o BC quer demonstrar que agirá de maneira independente, antecipando uma possível falta de controle nos gastos públicos no próximo governo,” comentou um gestor.
O BC brasileiro não é o único que está lidando com uma inflação acima da meta. Em todo o mundo, os bancos centrais passam por uma situação semelhante, um reflexo da pandemia, do aumento dos gastos públicos e da guerra na Ucrânia. O receio, como expresso nas declarações de Campos Neto e Serra, é perder a âncora para os próximos anos.
O BC não cumpriu a meta em 2021 e é dado como certo que não cumprirá também em 2022, apesar da queda na inflação causada pelas reduções de tributos.
O centro do objetivo para este ano é de 3,5%, com tolerância de até 5%. Segundo o boletim Focus do BC, os analistas esperam que o índice encerre o ano em 6,61%.
Para os próximos anos, espera-se uma desaceleração dos reajustes de preços. Ainda assim, os economistas preveem índices acima da meta em 2023 e 2024. Para 2023, o centro do alvo do BC é 3,25%, mas a mediana das expectativas indica uma alta de 5,27%. Em 2024, a meta é de 3%, e o mercado projeta 3,43%.
“No passado, o BC demorou a reagir à alta nos preços, mas agora os juros estão condizentes com a trajetória de queda na inflação,” comentou Tomás Awad, CIO da 3R Investimentos. “Uma Selic de 11,25%, como espera o mercado ao final do próximo ano, é uma taxa elevada, com juros reais acima de 5%.”
A próxima reunião do Copom ocorre nos dias 20 e 21 de setembro. As apostas majoritárias são de que a Selic será mantida em 13,75%.