Antonio Bonchristiano e Fersen Lambranho — dois dos mais experientes investidores de private equity e venture capital do País — enxergam um paralelo entre o momento atual e o do estouro da bolha da Nasdaq no ano 2000.
Na época, “acabou o funding e a tese de crescimento a qualquer custo passou a ser a de sobrevivência a qualquer custo,” disse Bonchristiano, o CEO da GP Investments e um investidor de tech por meio da G2D, a subsidiária da companhia listada na Bolsa que tem investimentos em startups como Mercado Bitcoin e Blu.
“Mas depois de dois ou três anos, as coisas começaram a voltar ao que eram”.
Para Fersen, o chairman da GP e da G2D, momentos como o atual mostram o valor das “startups-camelo”, resilientes e capazes de superar desafios num percurso longo. “Nossa história mostra que somos mais de buscar camelos do que unicórnios.”
Numa de suas raras entrevistas em conjunto – a última aconteceu há mais de dez anos –, a dupla falou ao Brazil Journal sobre a dor dos empreendedores de aceitar um valuation menor e os setores que estão no radar da G2D.
A alta dos juros mudou a lógica dos investimentos de venture capital. Esse é o início de uma mudança profunda e duradoura nesse mercado ou é um ajuste pontual?
Bonchristiano – O mercado não mudou, o que mudou foram os valuations. Com a subida dos juros, o valor que está sendo atribuído a empresas de alto crescimento, em que o lucro acontece num momento muito longínquo, caiu. A taxa de desconto é mais elevada, então o valor presente é menor. Mas as oportunidades de criação de valor entre as empresas de tecnologia não mudaram. A disponibilidade de capital para fundos de venture capital também não mudou, porque o mundo continua extremamente líquido, poucos setores crescem e todo investidor, em qualquer lugar do mundo, está em busca de crescimento. Onde tem crescimento? Em tecnologia.
Vivemos um momento de ajustes, que talvez dure mais alguns meses, relacionado a uma diferença de opinião entre empreendedores e fundos em relação a qual é o valor justo para fechar negócio. Mas o setor de tecnologia continua super atraente e relevante, e vai continuar criando milhares de oportunidades mês após mês. As oportunidades hoje são maiores do que há dois anos.
Fersen – Acho muito saudável que haja um freio de arrumação. Isso depura um sentimento que as pessoas tinham de estar perdendo algo, aquele fomo (fear of missing out), que acaba sendo maléfico para todos os setores. Esse ajuste serve para depurar o processo, fazer os fundadores das companhias pensarem mais a longo prazo, reverem seus planos e seu cash flow. Na minha experiência de décadas nesse mercado, sempre vi benefícios nos perrengues que passei.
A captação dos VCs continua relativamente alta, mas os investimentos, não. Os fundos passaram a privilegiar empresas que geram resultado e muitas startups estão fazendo cortes. O que vamos ver daqui para a frente?
Bonchristiano – É um movimento cíclico. Vale a pena fazer um paralelo com o que aconteceu em 1999. A GP foi super ativa na primeira onda de aportes em startups. Quase enlouquecemos, fizemos cerca de 25 investimentos em 12 meses e não tínhamos estrutura para isso. Quando veio o crash da Nasdaq, acabou o funding e a tese de crescimento a qualquer custo passou a ser a de sobrevivência a qualquer custo. Depois de dois ou três anos, as coisas começaram a voltar ao que eram. Tem a ver com ciclos de política monetária. Estamos passando por um momento de restrição de liquidez, mas, a partir do momento em que a inflação estiver sob controle, os bancos centrais vão tirar o pé e as coisas voltam. Não é uma mudança de longo prazo e que veio para ficar. É uma mudança temporária.
Fersen – A Amazon foi um processo de insistência do Jeff Bezos. Passou pela bolha e foi se transformando. O Mercado Livre também não aconteceu no primeiro momento, os empreendedores passaram uns 15 anos trabalhando na ideia, insistindo, para transformar a empresa no que ela virou. Boas companhias se fazem com o tempo.
Os empreendedores já aceitaram que os valuations caíram e estão dispostos a fazer negócios nesse novo patamar?
Bonchristiano – A grande dificuldade é que, na estrutura de financiamento de empresas privadas, há investidores que entram em cada rodada com o chamado liquidation preference. Isso significa que, se a empresa for vendida por um valor menor do que o estabelecido quando fizeram o aporte, esses investidores recebem o capital primeiro. Isso funciona muito bem quando, em cada rodada, o valuation vai subindo. É difícil, não só para o empreendedor, mas para o sistema como um todo, aceitar fazer uma rodada de investimento com um valuation menor que o da última rodada.
Gera impactos negativos para os investidores com menos direitos ou detentores de ações ordinárias, que em geral são os fundadores. Antes de captar num valor mais baixo, o empreendedor vai tentar crescer, ajustar a operação para conseguir ao menos o mesmo valuation da última rodada. Está todo mundo cortando, tentando gerar caixa e crescer de forma sustentável para buscar um valuation maior. É claro que, se a escolha for entre aceitar um valuation menor e sobreviver, o empreendedor vai aceitar valuation menor. Mas isso é doloroso não apenas porque o valor cai, mas pelas consequências para os direitos dos acionistas.
Fersen – Por outro lado, é uma dinâmica que traz benefícios. Essa dor gera criatividade e leva o empreendedor a buscar caminhos que não tinha imaginado. Ele precisa de tempo, energia, dedicação. Por isso deve levar um tempo para surgir uma nova rodada.
Como encontrar oportunidades agora? Que tipos de empresas vocês buscam?
Fersen – Nossa história mostra que somos mais de buscar camelos do que unicórnios. Ou seja, estamos atrás de startups resilientes, que têm capacidade de sobrevivência e de enfrentar desafios num percurso longo. Os empreendedores da G2D têm mais de 40 anos. Um estudo do MIT mostrou que as startups mais bem sucedidas são fundadas por pessoas a partir de 40 anos. Nada contra os jovens, estou muito próximo deles, mas nosso portfólio é formado por empreendedores mais maduros, donos de companhias que têm fundamento, visão de longo prazo.
É muito difícil criar um unicórnio, mas esse tipo de empresa acontece de forma rápida. No mundo dos negócios, independentemente do setor, situações não previstas acontecem o tempo todo. Ter um camelo que está sempre andando, resistindo, pode ser mais lucrativo.
Quais setores atraem a atenção de vocês hoje?
Fersen – Um deles é o de negócios ligados à blockchain. Não somos e não seremos operadores de moedas cripto, mas blockchain como tecnologia para resolver problemas é algo revolucionário, e temos gastado energia estudando esse tema. Ganhamos um bom dinheiro investindo na Coinbase e o aporte no Mercado Bitcoin também tem sido muito bom. Buscamos casos fora do Brasil, que é onde essa tecnologia mais se desenvolve.
Além disso, os investimentos em companhias de consumo, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, diferenciam a G2D das demais firmas de venture capital no Brasil. É um mercado enorme, três vezes maior que o de tecnologia.
Bonchristiano – Também buscamos investimentos em negócios relacionados a mudanças climáticas, energias renováveis, inteligência artificial e finanças. O mercado financeiro é um dos mais competitivos e avançados no Brasil, e é dominado por poucos players, o que o torna um bom setor para ser atacado. As instituições grandes e dominantes têm margens altas, mas não inovam, e isso cria oportunidades para novos entrantes com produtos e serviços melhores, e custos mais baixos.
Muitas fintechs surgiram no Brasil nos últimos anos. Ainda veem espaço para novos players?
Bonchristiano – Sim, especialmente em seguros. Esse mercado não passou pela mesma transformação que os de bancos, corretoras e meios de pagamento. Mas vai acontecer. Na GP, fizemos um investimento na Akad Seguros de olho nisso.
A G2D fez uma redução no valor patrimonial (NAV) das empresas do portfólio, algo pouco comum. Por que foi tomada essa decisão?
Fersen – Não tínhamos obrigação de fazer, não houve qualquer evento ou razão diferente da constatação de que o mercado público de ações teve quedas substanciais de valor globalmente. Temos 11 mil acionistas pessoas físicas com quem queremos criar uma relação duradoura. Acreditamos que fazer isso agora seria uma boa sinalização: mostramos que estamos atentos ao fato e não somos insensíveis a ele.
Usamos a metodologia tradicional, por aproximação. Analisamos os blocos de empresas que temos, comparamos com os principais pares nos mercados públicos, setor a setor, e vimos quanto caíram. Com isso, chegamos a uma média de 21% de redução do NAV.
A tese da G2D é abrir ao investidor pessoa física a oportunidade de investir em empresas de tecnologia fechadas, para ganhar com a fase de alto crescimento desses negócios. Mas, desde o IPO, em maio de 2021, a ação teve um desempenho mediano. O que explica essa dificuldade de atrair o investidor?
Fersen – Não existe dificuldade de atrair a pessoa física. Onze mil investidores não é pouco. O que acontece é que as pessoas estão aprendendo o que significa investir numa empresa como a G2D. Vimos isso em todos os mercados com companhias similares. Elas começam sendo negociadas com desconto, mas, à medida que o investidor entende a lógica, passam a ter um prêmio. Se as empresas do portfólio crescem 50%, 100% ao ano, o NAV está sempre atrasado. Outro fator que explica o desempenho da ação é que há uma grande crise acontecendo nas bolsas.
Bonchristiano – A crise é o principal ponto. O interesse do investidor pessoa física no Brasil por renda variável e ativos alternativos como private equity e venture capital começou quando o CDI caiu abaixo de dois dígitos. Fizemos o IPO em maio de 2021 e, depois disso, o Banco Central aumentou bastante os juros, vendo que a inflação estava chegando. Acabou o ciclo de juro baixo, e a atratividade da renda fixa passou a ser maior. Normal. Nosso objetivo é criar uma empresa de longo prazo, então isso não gera grandes dificuldades. Precisamos ter paciência. O interesse vai voltar quando o juro começar a cair.