Attenzione pickpocket! Attenzione borseggiatrici!
Por uma questão de coerência, a ideia do Governo Lula de recriar o imposto sindical deveria vir acompanhada da proposta de colocar a imagem de um caranguejo decorando o Brasão da República.
Extinto pelo Congresso em 2017 em meio à aprovação da reforma trabalhista, agora o imposto pode voltar ainda mais caro que seu antecessor: em vez do equivalente a um dia de serviço por ano, a taxação agora será de 1% da renda anual do trabalhador.
Pela proposta do Ministério do Trabalho, sob o comando do petista Luiz Marinho, o assalariado terá que trabalhar quatro dias do ano só para pagar o imposto sindical.
Como se trata de um tributo regressivo – afinal, todos estariam sujeitos à mesma alíquota – ele pesará mais nos ombros de quem ganha menos, o que, por si só, já deveria ser visto com estranheza. Afinal, não são os partidos ditos de esquerda os defensores dos mais pobres?
Observe-se que a renda do trabalhador – a base de incidência do imposto – é constituída pelos 12 meses de salário, acrescida do 13º e do adicional de férias (um terço do salário mensal). Por isso, se a proposta for aprovada, a arrecadação do novo imposto sindical será 300% superior à do antigo.
Antes de ser eliminado, o imposto sindical tirava, compulsoriamente, R$ 3,6 bilhões por ano do bolso do trabalhador regido pela CLT. Agora, se o Congresso aprovar a proposta de Lula, a nova taxa subtrairá algo como R$ 14 bilhões por ano.
Ou seja, no ano em que o novo imposto entrar em vigor, a renda disponível dos trabalhadores para comprar bens e serviços diminuirá em R$ 14 bilhões.
Esse volume extraordinário de dinheiro seria repartido da seguinte forma, segundo o projeto de lei elaborado pelo Ministério do Trabalho: 60% para os respectivos sindicatos de cada setor; 10% para as centrais; 15% para as federações; 5% para as confederações e o restante (10%) para uma rubrica orçamentária chamada Conta Especial Emprego e Salário (CEES).
Com o novo imposto, os sindicatos passariam a receber, sem fazer nenhum esforço, mais de R$ 8 bilhões por ano. Depois da eliminação do imposto sindical em 2017, a contribuição dos trabalhadores passou a ser facultativa e, por isso, a arrecadação com o imposto caiu para R$ 68 milhões.
O ministro Luiz Marinho alega que o trabalhador que não quiser pagar o novo imposto sindical poderá manifestar sua opinião nas assembleias da categoria. Se convencer seus pares e formar maioria, o tributo não poderá ser cobrado.
Democrático, certo? Nem um pouco.
Um dispositivo do mesmo projeto de lei torna nulo qualquer esforço na direção de se impedir a cobrança do imposto. Isso porque a regra vincula a conclusão das negociações entre sindicatos e patrões à definição da “contribuição” sindical a ser paga pelos trabalhadores. Não havendo acordo, volta-se à estaca zero das negociações, isto é, nada do que já foi acertado – por exemplo, o percentual de reajuste dos salários – valerá.
Defensores do retorno do imposto sindical argumentam que o Estado precisa prover recursos para que os sindicatos tenham condições de representar os trabalhadores nas negociações com as empresas. Alega-se que, sem isso, as relações são assimétricas, uma vez que os empresários dispõem de mais meios para vencer as disputas.
Além de paternalista, essa visão ignora as constantes mudanças pelas quais o mundo do emprego vem passando em decorrência das transformações tecnológicas. Estes são aspectos a serem considerados nesse debate.
Por fim, é preciso lembrar que, numa democracia, não cabe ao Estado determinar como deve ser a relação entre trabalhadores e empresários.
Quando criou o imposto sindical em 1940, em pleno Estado Novo, o ditador Getúlio Vargas inspirou-se no fascismo de Benito Mussolini para colocar os sindicatos sob a órbita do Estado. Até então, o movimento sindical era autônomo, isto é, mantinha-se distante tanto do aparato estatal quanto de empregadores e partidos políticos.
É curioso ver o Presidente Lula propondo o retorno de um imposto cuja existência ele criticava duramente quando liderava as massas do ABC Paulista em meados dos anos 1970. Para Lula, aquele tributo era o símbolo do peleguismo e da cooptação da classe trabalhadora, velhacarias do trabalhismo de Getúlio que ele tanto rejeitava com o “novo sindicalismo”.
Quando vaticinou que o Brasil “tem um enorme passado pela frente,” Millôr Fernandes, um dos maiores intérpretes da alma brasileira, mais uma vez acertou em cheio.