Janeiro costuma ser o mês dos saldões no varejo. Na sueca H&M – a segunda maior varejista de moda do mundo, atrás da Inditex, dona da Zara – a liquidação se estendeu também à Bolsa. Desde meados de dezembro, as ações já caíram mais de 20%, levando o papel de volta aos níveis de 2009, quando o mundo era engolido pela crise do subprime.

Não espere uma recuperação tão cedo: 51% dos analistas consultados pela Bloomberg recomendam ‘venda’. O preço-alvo estimado pelo Morgan Stanley, por exemplo, é 20% abaixo da cotação de hoje. 

A derrocada na Bolsa ocorreu em paralelo a um desastre de marketing, que provavelmente teve pouco impacto sobre as ações mas é um retrato da H&M neste momento: atrapalhada e perdida num mundo em transformação.

Há pouco mais de uma semana, a foto de uma criança negra vestindo um moletom com os dizeres ‘Coolest Monkey In The Jungle’ – ou ‘o macaco mais descolado da selva’ – causou revolta nas redes sociais e virou um pesadelo para a companhia, autora do absurdo em forma de anúncio.

A repercussão foi tamanha que duas lojas na África do Sul foram destruídas por manifestantes e o rapper canadense The Weeknd encerrou a parceria como garoto-propaganda da rede. A H&M veio a público pedir desculpas: “Nossa posição é simples e inequívoca: erramos e estamos profundamente arrependidos”.

Fundada em 1947, a H&M praticamente inventou o conceito de fast fashion, com rotatividade de coleções a preço acessível. Mas, agora, não está conseguindo ser nem fast, nem fashion e nem barata o suficiente para atrair os consumidores.  

As vendas, que cresciam a taxas de dois dígitos até o fim de 2015, começaram a desacelerar. Em 2016, subiram apenas 6%. Em 2017, a taxa minguou para 4% – com recuo de 4% no quarto trimestre fiscal, encerrado em novembro, o pior desempenho em mais de dez anos, o que disparou o selloff

“Há tanta coisa que eles precisam fazer que não acho que vão conseguir resolver a situação de maneira rápida”, disse à Barron’s Erik Sjostrom, da Skandia, uma gestora sueca que administra US$ 3 bilhões e passou o mês de dezembro desmontando sua posição nas ações da empresa.

Como em toda tragédia, a H&M é vítima de uma série de erros. O primeiro foi subestimar a importância dos canais online: a companhia começou a investir em ecommerce há 20 anos, mas sempre privilegiou o espaço físico e acabou perdendo para as conveniências de Alibaba, Amazon e sites mais nichados, como o Asos.

A H&M mais que dobrou o número de lojas nos últimos dez anos: saiu de 2.000 em 2008 para mais de 4.500. Agora está tendo que fechar pontos em seus principais mercados como a Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido e França. 

O preço também não é mais um diferencial. Uma pesquisa feita pelo banco Société Générale mostra que uma cesta de nove itens básicos sai pela metade do preço na concorrente britânica Primark, de acordo com o Financial Times.

O componente ‘fashion’ tampouco tem atraído os consumidores. Na prévia operacional dos resultados do terceiro trimestre, a direção atribuiu a queda à falta de assertividade das coleções – um problema que vem se tornando recorrente, abarrotando os estoques, aumentando a frequência dos saldões e corroendo as margens. 

Há 10 anos, os estoques da H&M duravam 85 dias. Hoje, estão em 130 dias. A margem operacional, que girava na casa dos 23,5%, caiu para 9,6% nos nove meses encerrados em agosto – metade dos níveis registrados pela Inditex, a dona da Zara, que há seis anos superou a H&M como a maior rede de varejo de moda do mundo. (Enquanto a Inditex negocia a 26 vezes o lucro previsto para 2018, na H&M o múltiplo está na casa dos 15.) 

Para conter a sangria, a direção da companhia teve que descer do salto. Conhecida por não fazer roadshows e nem promover encontros com investidores, a H&M marcou seu primeiro Investor Day para 18 de fevereiro.

Será a chance do CEO Karl-Johan Persson de falar sobre o futuro e defender sua posição. Ele é neto do fundador Erling Persson e filho do maior acionista, Stefan Persson, que tem 71% das ações ordinárias.

Apesar do controle familiar, investidores de mais longo prazo começam a pressionar por algumas mudanças, entre elas o corte nos dividendos. A H&M tem um dividend yield alto, de 6%. “Cortar [os dividendos] daria a companhia muito mais liberdade para reinventar sua proposta para o cliente”, escreveu a equipe do Morgan Stanley em relatório.

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Interessado em fast fashion?  Neste sábado, o Brazil Journal coloca no ar “Heróis do Varejo: José Galló e a cultura da Renner”.   Veja o trailer e se inscreva em nosso canal no YouTube.