Quando a Hyperplane foi vendida para o Nubank há duas semanas, Viviane Meister comemorou em dobro.
A transação trouxe visibilidade para o mercado de sua recém-fundada startup — a Avra — e, ao mesmo tempo, tirou um potencial concorrente da jogada.
“Antes era difícil explicar o que fazemos. Agora ficou um pouco mais fácil,” ela disse ao Brazil Journal.
A Avra usa inteligência artificial para ajudar empresas a tomar melhores decisões sobre contratos com PMEs — ajudando a fazer uma análise mais assertiva do risco de crédito dessas companhias e a prever o lifetime value de cada cliente.
A Avra foi fundada em janeiro por Viviane e Bruno Alano, um ex-pesquisador da OpenAI. Os dois dedicaram os primeiros quatro meses à criação de um modelo fundacional de IA e ao desenho dos produtos que a startup vai oferecer aos clientes.
Um modelo fundacional analisa uma quantidade gigantesca de dados para entender um determinado assunto e pode ser usado como base para a criação de outros modelos com fins mais específicos. (Um exemplo é a tecnologia desenvolvida pela OpenAI, criadora do ChatGPT).
No caso da Avra, o modelo fundacional criado utiliza informações multimodais (texto, imagem, áudio, PDFs) provenientes de diversas fontes. O objetivo do modelo foi entender como a economia brasileira funciona — compreendendo a fundo como os brasileiros se comportam e como operam as 60 milhões de empresas do País.
“O modelo da Avra é capaz de identificar padrões específicos, como por exemplo a frequência com que supermercados compram determinados produtos, e relacionar esses padrões a fatores econômicos, como a taxa de juros. Isso nos permite prever riscos e oportunidades com uma precisão muito maior” explicou o cofundador.
A empresa só começou os esforços de venda em maio, depois de fechar uma rodada de US$ 2 milhões liderada pela MAYA Capital, a gestora de venture capital de Lara Lemann e Monica Saggioro.
A captação também teve a participação da Norte Ventures, Sequoia Scout, e de André Street e Eduardo Pontes, os co-fundadores da Stone. Outros investidores que entraram foram Dorival Dourado, que foi COO da Serasa por 10 anos; Daniel Cassiano, diretor de AI e data na AB Inbev; e Doug Scherrer, o primeiro CFO do Nubank.
Hoje a startup atende apenas dois clientes — uma fintech e uma empresa do setor de energia — mas seis grandes companhias estão testando o produto.
A receita da Avra é um mix de assinatura mensal com um valor pago pelo cliente por cada consulta que faz sobre as PMEs.
A Avra tem quatro produtos, que foram criados em cima de seu modelo fundacional. O primeiro é um score de crédito focado em PMEs, “uma espécie de Serasa, mas turbinada com muita IA,” disse Viviane.
O segundo é a predição de LTV, que mostra para as empresas (principalmente indústrias e bancos) quanto elas deveriam dar de crédito para as PMEs e o potencial de geração de receita de cada uma delas.
A empresa oferece ainda a segmentação de audiência, o produto em que competia mais diretamente com a Hyperplane.
“Nesse produto, a gente entende a base de clientes PME das empresas e damos insights de como trabalhar com ela nas vendas, no crédito e no marketing para gerar um aumento de vendas.”
O último produto é o chamado embedding: basicamente a venda da inteligência do modelo da Avra para clientes que já tenham um time de dados maduro e de alta complexidade. “Não vendemos os dados brutos, mas o adensamento dessas informações para que as empresas possam criar modelos com nossa inteligência,” disse Viviane.
Viviane decidiu fundar a Avra depois de fazer carreira no setor de crédito — com passagens pela Moody’s, IFC, HSBC e Santander Brasil — e trabalhar os últimos quatro anos na idwall, a startup de identidade digital.
Já Bruno trabalhou quase a vida inteira com inteligência artificial.
Quando tinha 11 anos, ele apareceu numa reportagem da Globo contando como havia conseguido hackear um jogo de RPG na internet. Aquilo chamou a atenção do cônsul da Finlândia no Brasil, que lhe conseguiu uma bolsa de estudos em tecnologia em Helsinque.
Bruno acabou se especializando em IA e, quando voltou ao Brasil, com 16 anos, fundou uma empresa na área, focada em gerar leads usando IA, a Leadsters. Alguns anos depois, foi convidado para trabalhar como pesquisador na OpenAI. A empresa de Sam Altman ainda era uma non-profit, e Bruno ficou lá quase 2 anos até o investimento da Microsoft, quando a companhia foi transformada numa for profit, gerando uma debandada de engenheiros.
Em 2021, Bruno entrou na Isaac, onde teve seu primeiro contato com crédito: trabalhou usando IA para ajudar a prever a inadimplência das escolas. Seu último cargo antes de fundar a Avra foi liderando times de AI na Jusbrasil, a plataforma de informação jurídica.
Viviane disse que a decisão de operar focada nas PMEs teve a ver com o fato das soluções de crédito no Brasil não serem especializadas nesse segmento.
“As soluções que existem hoje usam dados retrospectivos. Isso não é um problema se você está dando crédito para a Raízen, por exemplo. Mas se você está pensando em emprestar para a padaria do seu Zé, usar dados de dois meses atrás não funciona,” disse ela. “Nessas empresas, as coisas mudam muito rápido.”
Para conseguir ter uma visão em tempo real dessas companhias, a Avra usa dados alternativos, como notas fiscais e a conta de luz.
“Se a PME parou de emitir nota fiscal ou se a conta de luz veio zerada, isso já é um sinal claro de problema,” disse ele.
Empresas como a Neuratech e Neoway oferecem produtos similares aos da Avra. Mas Viviane diz que, ao contrário dos concorrentes, a Avra já nasceu como um modelo fundacional de IA.
“A gente não ‘usa’ IA. Nós somos um pure play de IA.”