A renovação do auxílio emergencial tem sido defendida sob o argumento de que estamos em uma crise humanitária aguda, seja pelo alto nível de mortes, seja pelas estatísticas de desemprego e perda de renda. Por outro lado, a dívida pública está muito alta e continua crescendo. 

Financiar a nova rodada do auxílio exclusivamente por meio do aumento adicional da dívida pública potencializa o risco de o Tesouro não conseguir financiar essa dívida num futuro próximo.  

Isso faria o País amargar estagnação econômica com inflação por anos a fio, mesmo depois da pandemia terminar. Não está distante o cenário de voltarmos à estagflação dos anos 1980-90, com aumento de pobreza e desigualdade.

Essa ameaça não está em um futuro incerto. As empresas, as famílias, os poupadores e os investidores externos antecipam o futuro. Por isso, já estão ocorrendo hoje no país fuga de capitais, desvalorização excessiva da moeda nacional, pressões inflacionárias persistentes e queda das perspectivas de investimento e de retomada do crescimento em 2021 e nos anos seguintes.

Os efeitos negativos, portanto, já começaram mesmo antes da renovação do auxílio, gerados apenas pela possibilidade de um desfecho negativo do ponto de vista fiscal.

Não fosse a feliz coincidência de o mercado internacional de commodities ter se recuperado, injetando renda no país pela via da melhoria dos preços de nossas exportações, a situação econômica do Brasil já estaria bem pior no presente. 

Mesmo com os ventos internacionais favoráveis, assistimos à persistente desvalorização do real. Ainda que haja taxas de juros reais negativas e abundância de capital em todo o mundo, a dívida pública brasileira paga juros elevados para títulos de longo prazo, e os fluxos de capitais resistem a retornar ao País. 

O discurso político habitualmente argumenta que é preciso ter sensibilidade social, e que a preocupação com estabilidade fiscal não deveria existir em um momento como esse. Porém, o risco de transformarmos o alívio imediato em pobreza duradoura exige que o exercício da sensibilidade social se faça por inteiro.

Por isso, seria importante que eventual retomada do auxílio fosse financiada por outras fontes de recursos que não o aumento da dívida pública. Havendo a necessidade de recorrer, em parte, ao aumento da dívida, também caberia apontar medidas compensatórias, visando melhorar o resultado fiscal, mesmo que os efeitos só ocorram em 2022 ou depois.

O processo político não pode continuar decidindo políticas públicas e alocação de recursos públicos sob a limitação da “viabilidade política”, medida com a régua dos tempos de normalidade. A mitigação de uma crise humanitária exige que se superem as resistências corporativas, que se suspendam os gastos não prioritários e, sobretudo, que se busque ação cooperativa dos três níveis de governo e dos três poderes.

Como compatibilizar a demanda por assistência social com a estabilidade das contas públicas?

No próximo post, apresento uma lista de possíveis financiamentos. 

Alguns dirão que ela é “ingênua” ou “politicamente inviável.” Se de fato o for, ela pelo menos dará a medida de quão distante estamos da chance de nos tornarmos um país desenvolvido e com menos pobres. Também pode ser vista como um mapa para que a parcela da sociedade menos afetada pela pandemia efetivamente custeie o apoio às maiores vítimas.

 

Marcos Mendes é pesquisador associado do Insper.

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