O próximo CEO da Kraft Heinz é o tipo de pessoa capaz de mandar Arnold Schwarzenegger embora do camarote da Brahma porque o Exterminador do Futuro se recusava a colocar a camiseta com o logo da companhia. (O episódio aconteceu no Carnaval de 2001.)

Miguel Patricio tampouco mede esforços para engajar a equipe: nas convenções de vendas da Ambev, no começo dos anos 2000, já se fantasiou de pinguim e saiu de uma geladeira para motivar o exército de revendedores. 

Mas para além de uma personalidade passional para o bem e para o mal, a verdadeira marca que Patricio construiu foi sua capacidade de fazer da ABI — uma empresa historicamente focada em custo — uma companhia mais atenta aos gostos (cada vez mais volúveis) do consumidor. 

Qualquer semelhança com os desafios da Kraft Heinz num mundo em que o macarrão de caixinha dá lugar à comida fresca não será mera coincidência. 10673 ead7d0ba a8c8 c6bd 64fb ef298188f529

Nascido em Portugal, Patricio veio para o Brasil ainda garoto e entrou no grupo em 1999, o ano da fusão da Brahma com a Antarctica.

Na época, uma de suas primeiras providências foi repaginar um ícone: as latinhas do Guaraná Antarctica eram — quem se lembra disso? —vermelhas. Foi Patricio quem decidiu adotar a cor verde de hoje, associando o guaraná à natureza e à Amazônia, em um contraponto implícito à química dos refrigerantes. 

Também foi sob seu comando que a Skol ganhou a liderança do setor, com o slogan “Desce Redondo” — criado pela F/Nazca pouco antes de sua chegada. 

Num mundo então dominado por cervejas mais encorpadas, a Skol sofria para ganhar tração com sua composição mais leve (‘aguada’, segundo alguns). 

Com o “desce redondo”, a marca associou-se à refrescância e irreverência, ganhando apelo com o público jovem. Em meados dos anos 2000, a Skol tornou-se líder de mercado, ultrapassando a Brahma.

Também foi de Miguel a contraofensiva pesada ao avanço-relâmpago da Nova Schin entre 2003 e 2004 — talvez a última “guerra das cervejas” digna do nome. 

Com um caminhão de dinheiro de marketing, a Schincariol relançou seu principal produto e contratou Zeca Pagodinho para a campanha do “Experimenta!” (os maiores de 30 se lembrarão).

Em menos de três meses, a Nova Schin ganhou cinco pontos de share, chegando a quase 15% do mercado e roubando vendas da Antarctica, Skol e Brahma — para desespero dos investidores.

Patricio contratou a África, de Nizan Guanaes, que deu uma das tacadas mais audaciosas da publicidade brasileira: fez Zeca romper o contrato com a Schin e contratou o cantor para uma campanha da Brahma, cantando um samba em que se mostrava ‘arrependido’. (“Fui provar outro sabor, eu sei…. Mas não largo meu amor, vooolteeeei!”)

Um ano depois, as marcas da Ambev já haviam recuperado terreno, impulsionadas também por um posicionamento de preço mais agressivo e mudanças na estratégia de distribuição nos bares.

Para além da sua competência com marketing, as habilidades de gestão de Patricio foram colocadas à prova em sua passagem como líder da operação da ABI na Ásia-Pacífico, onde ficou de 2008 a 2012. 

Num mercado fragmentado, o executivo posicionou Budweiser como uma marca premium e conseguiu dar tração à Harbin – uma marca local que já pertencera à SAB Miller e fora abocanhada pela ABI numa oferta hostil em 2004. 

Sua gestão — na qual o faturamento na China passou de US$ 1 bilhão para US$ 2,7 bilhões — fincou os alicerces para o crescimento da companhia no maior mercado do mundo, onde hoje a ABI tem 16% de participação e é líder no mercado premium. 

“O Miguel é ‘a people’s person’”, diz um executivo que trabalhou com ele. “Ele sabe engajar, vibra com cada desafio e sofre com cada derrota”.

Antes da China, Patricio havia acompanhado Carlos Brito à América do Norte logo após a fusão com a Interbrew que criou a Inbev, em 2004. Quando Brito se tornou CEO global, Patricio assumiu a operação local, num mandato que consolidou a melhora de margens da Labatt no Canadá. 

Ainda na Ambev, antes das cervejas premium se tornarem o buzz da indústria, Patricio trabalhou o nicho. Num mercado ainda pautado apenas por preço, relançou as marcas Bohemia, Original e Serramalte com posicionamento superior, cavando share num segmento que hoje virou a menina dos olhos da indústria.

Alçado a chief marketing officer da ABI em 2012, Patricio tentou responder ao desafio das craft beers revitalizando a categoria de cervejas como um todo. O projeto, que teve início do Brasil e foi exportado para o todo mundo, destaca os benefícios da bebida, sua origem e a qualidade dos ingredientes. 

Casado com um panamenha e pai de três filhas — duas das quais nascidas no Brasil —, Patricio pretendia se aposentar no ano passado. Sua saída já tinha sido anunciada em julho, quando foi substituído como CMO global por Pedro Earp, o executivo de 41 anos que comandava a ZX Ventures, a incubadora de novos projetos da ABI. 

O convite para assumir a Kraft Heinz, que veio no começo deste ano, adiou os planos, e Patricio agora enfrenta seu maior desafio: salvar um portfólio de marcas que está apanhando ainda mais que a cerveja tradicional.

 

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