A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) condenou o empresário Silvio Tini por ter repassado informação relevante e não divulgada pela Alpargatas, falhando com o dever de guardar sigilo sobre as informações da companhia. 

Como penalização Tini não poderá atuar como administrador ou conselheiro fiscal de companhias abertas pelos próximos cinco anos. 

O caso decidido agora envolve um episódio ocorrido em 2017, quando Tini era conselheiro da Alpargatas e provocou uma discussão sobre a migração da empresa para o Novo Mercado. 

Tini é um investidor veterano da Bolsa brasileira e, por meio de sua Bonsucex Holding mantém participações relevantes na Gerdau, Banco Pan, Paranapanema, Bombril, Terra Santa e Alpargatas – nas duas últimas, faz parte do conselho. 

Silvio disse ao Brazil Journal que vai recorrer da decisão ao chamado “conselhinho”, o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN). “Vamos recorrer e acabar com qualquer dúvida! Este é um crime sem cadáver!” disse o investidor. 

A investigação da CVM começou por conta de uma comunicação da Bradesco Corretora, que em 29 de março de 2017 identificou uma conversa que chamou atenção das suas “políticas de monitoramento e investigação interna”. 

A corretora encaminhou a gravação à autarquia, que transcreveu o diálogo no processo. Tini conversa com um funcionário da corretora, Caio Galli, que executava as ordens de compra e venda do empresário na Bolsa:

Primeiro telefonema – Início: 10h42; Fim: 10h49

Silvio: É…essas coisa aí, Caio… É…é…essas coisa aí…Caio…o…a ALPA ON tá muito distorcida…você não quer comprar um pouquinho pra você, hein, Caio? 

Caio: Posso.

Silvio: Isto…pra você. 

Caio: Tá…E a PN [ações preferenciais da Alpargatas], Silvio, acabou a venda, hein? Voltou… 

Silvio: ‘Cê” entendeu, Caio? 

Caio: Entendi, entendi…Voltou um caminhão de compra da PN aqui, hein? Você me dá só um minutinho, Silvio, pra…? 

Silvio: Tá. 

Caio: Um caminhão de venda, hein? Um caminhão de compra na PN. 

Silvio: É…eu, eu acho que vai melhorar. Essa ON [ALPA ON] está mais barata, viu, Caio?

Caio: É…Agora fechou a R$ 10,40, as vendas estão ali a R$ 10,34. Se eu tomar um “cenzinho” lá, o papel vai parecer com queda. 

Silvio: Ô Caio? “Cê” entendeu o que eu falei? 

Caio: Lá, né? 

Silvio: É…manda o…manda o…o…manda lá o Júlio César comprar pra você. 

Caio: Tá bom. 

Silvio: Tá bom? No limite do seu fôlego. 

Caio: Pode deixar. 

Silvio: Tá? 

Caio: Pode deixar. 

Silvio: Nós não vamos falar mais. 

Caio: Tá bom. 

Silvio: Tá bom?.”

Segundo telefonema – Início: 11h01; Fim: 11h04

Caio: Silvio? 

Silvio: Muito cuidado com isso que eu falei, viu, Caio? 

Caio: Tá joia. Pode ficar tranquilo. 

Silvio: Tá. E é só pra você… 

Caio: Pode ficar tranquilo. 

Silvio:…e mais ninguém…ir com muita sede ao pote, tá? Senão… 

Caio: A outra lá é leilão…vai demorar um tempinho, viu? 

Silvio: É né? Não sossega, né? 

Caio: Não negociam há um tempo… 

Silvio: Isto. 

Caio: Então, tem que ir devagar, lá.

Silvio: É. Muito devagar, não deixa puxar o preço… 

Caio: Isso, isso… 

Silvio: Tá…Pra não…pra não me complicar, hein cara? 

Caio: Não, não… Tudo tranquilo…

Dezenove dias antes dessa conversa, em 10 de março, Tini havia  sinalizado ao conselho a intenção de solicitar uma análise da viabilidade de migração da Alpargatas para o Novo Mercado, fato que se confirmou uma semana depois. 

Um fato relevante sobre o assunto só foi divulgado pela companhia em 20 de abril de 2017, cerca de 20 dias depois da conversa entre Silvio e Caio. Até hoje a Alpargatas não aderiu ao Novo Mercado. 

A defesa de Tini sustentou que não houve repasse de informação privilegiada, e a conversa mencionaria apenas a distorção de preço das ações ordinárias, sem, contudo, haver referências mais específicas sobre a intenção de migração para o Novo Mercado. 

Argumentou ainda que Tini não tinha informação privilegiada, dado que “até a divulgação do Fato Relevante, o controlador podia simplesmente alterar a proposta da relação de troca ou simplesmente decidir não promover a migração para o Novo Mercado”.

O relator do caso, o presidente da CVM, João Pedro Barroso do Nascimento, ressaltou que “pode configurar informação privilegiada a própria expectativa de determinado acontecimento, desde que sólida e baseada em elementos relevantes concretos, ou o conhecimento de tratativas e negociações a respeito da companhia, mesmo que não se tenha certeza sobre a sua concretização, desde que seja relevante “

Para ele, o episódio é de “efetivo repasse de informação privilegiada sobre a expectativa de valorização das ações, por um administrador da companhia, ciente da existência de uma informação relevante e não divulgada, e não de uma mera análise técnica sobre a perspectiva de valorização do ativo”. 

O presidente da CVM destacou ainda que a insistência e a veemência com que a recomendação foi passada, somadas às repetidas insinuações sobre a confidencialidade da informação, demonstram que Tini tinha conhecimento de elementos confidenciais da companhia que lhe geravam a expectativa de valorização das ações. 

“(…) O próprio Silvio Tini repreendia as suas próprias falas, a ponto de reconhecer que poderia “[se] complicar” por conta delas. Silvio Tini é profissional experiente no mercado de capitais e sabia os riscos da comunicação que fazia.”

Na dosimetria da pena, o relator levou em consideração precedentes do colegiado em casos semelhantes, a gravidade da infração e o histórico de reincidência de Tini. 

O empresário já havia sido condenado a multa de R$ 500 mil pela divulgação de informações relevantes da Brasil Ecodiesel, enquanto membro do conselho em 2012, e por ter negociado ações da Paranapanema em 2003 em período de vedação nos 15 dias anteriores à divulgação do balanço. 

“Foi um bom recado ao mercado, uma pena dura, para uma grande figura da Bolsa. Só foi possível porque a gravação é muito evidente,” disse um advogado do mercado de capitais. 

Caio Galli Carneiro e seu colega da Bradesco Corretora, Julio Cesar da Silveira Rossi, citado na gravação, foram condenados a multa de R$ 200 mil por negociar com ações de posse de informação privilegiada.