Antes de “networking” se tornar uma palavra do dia-a-dia, Mario Garnero já encarnava o espírito da coisa.
Ainda aluno de Direito da PUC-SP, nos anos 60, Garnero já chamava para palestras na faculdade nomes como Leonel Brizola, Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek. Mas foi depois de trazer Henry Kissinger, em 1962 – antes deste se tornar Secretário de Estado – que o foco do estudante se expandiu para o mundo, e Garnero eventualmente passou a frequentar as realezas britânica e árabe, presidentes americanos, bilionários russos e chineses.
“Olhando para trás, percebo que desenvolvi a vocação de agregar personalidades com poder de decisão do mundo político e econômico,” Garnero conta na autobiografia A seda e o sorriso, que acaba de sair pela Editora D’Aruel.
A mesma vocação o levou a criar o Brasilinvest em 1976, que ele define como “um banco de desenvolvimento privado” e tem investidores estrangeiros como sócios (os nomes ele não abre).
Aos 88 anos, adoentado, Garnero não pôde comparecer à noite de autógrafos no Shopping Iguatemi na quinta passada: enviou um atestado médico que recomendava sete dias de repouso.
Foi representado pelo filho Álvaro, um dos três de seu primeiro casamento com Ana Maria Monteiro de Carvalho, a herdeira do grupo empresarial Monteiro Aranha, onde ele começou a trabalhar logo depois do casamento em 1965. Quase duas décadas depois, casou-se com Maria Antonieta, “Teta”, com quem teve o filho Antonio, apelidado de “Pippo”.
Foi o primeiro sogro, Joaquim, conhecido como “Baby”, que o convidou a participar do Monteiro Aranha, que tinha uma participação na Volkswagen do Brasil. Para entrar na direção da montadora no País, Garnero foi enviado à Alemanha com a família para aprender a língua e a cultura da empresa. Somou o alemão às outras línguas que dominava: inglês, francês, espanhol, português e italiano.
Sua participação na Volks o levou à presidência da Anfavea entre 1974 e 1981, quando o setor era um dos maiores empregadores do País. Nesse período travou contato com um “líder sindical abusado” Luiz Inácio da Silva, com quem Garnero negociou o fim da grande greve do ABC em 1979.
Dois anos depois. Garnero conta que tentou demover a empresa de demitir 3 mil funcionários. Como não conseguiu, demitiu-se da Volks e da Anfavea.
Paralelamente às suas funções na indústria automobilística e na Anfavea, mantinha o que sempre desempenhou melhor, o networking. Ainda arranjou tempo para dirigir o Projeto Rondon, que levou milhares de estudantes das cidades a conhecer o interior do Brasil.
Em 1975, reuniu num castelo de Salzburg, a terra de Mozart, na Áustria, a nata dos investidores estrangeiros, com participação do então ministro Mário Henrique Simonsen, um amante e crítico de música clássica.
“Meu caderno de contatos passou de 250 para 2 mil,” conta. “Hoje passa dos 20 mil.”
Do encontro de Salzburg nasceu o Brasilinvest, com um grupo multinacional de 80 acionistas, “nossa pequena ONU,” como ele o caracteriza.
Em 1980, Garnero construiu as duas torres do Brasilinvest na esquina da Rebouças com a Avenida Faria Lima, iniciando o deslocamento do eixo financeiro até então instalado na Avenida Paulista.
Além de gozar de amigos poderosos, o empresário enfrentou polêmicas igualmente grandiosas ao longo da carreira, e o Brasilinvest chegou a ser impedido de fazer negócios pelo Banco Central em 1985 – uma proibição levantada em 2004.
No livro, Garnero conta esses dissabores, mas também de saborosos episódios envolvendo os maiores políticos da República, como o encontro frustrado de Carlos Lacerda com Jânio Quadros em Brasília, fonte de uma grande rivalidade.
Ninguém, no entanto, o inspirou mais que Juscelino Kubitschek, com quem trabalhou diretamente na campanha pela Presidência, frustrada pelos militares. “A arte do sorriso”, que está no título do livro, tem muito de seu mentor.
Entre as muitas personalidades que Garnero trouxe ao Brasil, nenhuma teve tanto destaque na imprensa internacional quanto Bobby Kennedy, então procurador-geral no governo de seu irmão John e candidato natural à sua sucessão.
Era o ano de 1964 e o jovem Bobby, então com menos de 40 anos, era considerado persona non grata pelo governo militar. O embaixador brasileiro em Washington, Juracy Magalhães, pressionou Garnero a desistir da ideia. Não conseguiu.
Bobby veio ao Brasil, visitou favelas, encontrou oposicionistas e, por fim, quis assistir a um jogo entre Brasil e Rússia no Maracanã. No final, quis conhecer Pelé no vestiário.
Desavisado, o número 10 do Brasil estava no banho. Saiu só de toalha para abraçar o americano.
A foto do abraço de Bobby Kennedy e Pelé, com espumas de sabão sobre a pele, ganhou as primeiras páginas de jornais de todo o mundo.
Garnero não saiu na foto junto com Pelé. Ficou nos bastidores, assim como nas grandes articulações de que participou. Serviu, por exemplo, como intermediário nas negociações entre o Presidente Ernesto Geisel e o governo alemão para trazer tecnologia nuclear para o Brasil.
Mais recentemente, facilitou o contato de Lula com George Bush, de quem se considera amigo, de Bolsonaro com Trump, e ainda tenta um encontro de Lula com Trump.
Não tenho preferência partidária, diz no livro. “Meu projeto é o Brasil.”
Em muitos aspectos, este Garnero que fala com todo mundo e atravessa linhas partidárias nos lembra que o Brasil já foi um lugar mais civil, menos polarizado, onde a Política ainda pensava no País antes de pensar em si própria.