Dois Boeings 747 colidiram no aeroporto da ilha espanhola de Tenerife, em 1977, quando um deles decolava enquanto o outro ainda estava na pista, matando 583 pessoas. Foi o maior desastre da história da aviação.

Na investigação, os peritos concluíram que o acidente resultou da combinação de “onze coincidências e erros separados, a maioria deles ínfimos.”

Howard Marks, o fundador da Oaktree Capital, conta em um de seus memorandos que conheceu um investidor cujos resultados anuais nunca ficaram no quartil superior entre as gestoras americanas. Mas o desempenho consistente – embora não especular – coloca esse fundo entre os 4% melhores quando se observa o rendimento acumulado num período de 14 anos.

As duas histórias não têm nenhuma conexão óbvia, mas usando fatos assim que Morgan Housel ilustra insights preciosos em O Mesmo de Sempre – Um guia para o que não muda nunca (Objetiva; 232 páginas), seu novo livro que acaba de ser lançado mundialmente.

Morgan HouselA tragédia de Tenerife e o gestor americano exemplificam como “pequenas mudanças acumuladas podem criar mudanças extraordinárias” – ainda mais quando seus efeitos são multiplicados ao longo do tempo.

Os EUA consolidaram-se como a maior potência mundial no último século sem nunca terem passado por um ‘milagre econômico.’ O PIB cresceu em média 3% desde 1920, e a renda dos americanos aumentou 8x nesse período.

“A maior desvantagem da raça humana é a nossa incapacidade de compreender a função exponencial,” já disse o físico Albert Bartlett, citado por Housel.

Modestas inovações somadas e multiplicadas ao longo do tempo trazem benefícios que as pessoas muitas vezes mal conseguem notar. A taxa de mortalidade por cardiopatias, ajustada por faixa etária, caiu nos EUA mais de 70% entre 1950 e 2014, com um declínio médio anual de 1,5%. Foi uma pequena revolução silenciosa.

Housel é autor do best-seller A Psicologia Financeira, considerado um dos melhores livros sobre finanças pessoais dos últimos anos.

Em O Mesmo de Sempre, ele comprova sua capacidade analítica para extrair lições atemporais entrelaçando uma torrente de episódios, informações díspares e reflexões de grandes figuras da ciência, da política e das finanças.

De uma página para outra, o leitor vai do “I have a dream” de Martin Luther King às sonecas de Albert Einstein, passando por tiradas certeiras de Warren Buffett  e Charlie Munger.

“Meu primeiro livro, A Psicologia Financeira, era sobre como você, o indivíduo, se comporta,” Housel escreveu em seu blog. “O Mesmo de Sempre é sobre como nós, a coletividade, nos comportamos.” São 23 breves capítulos “a respeito de coisas que nunca mudam num mundo em constante mudança,” definiu o autor.

Imaginar o que vai acontecer no futuro pode ser tão difícil como infrutífero. Mas se a história é plena de surpresas que ninguém poderia prever – ataques terroristas, pandemias – ela é também uma fonte poderosa de sabedoria válida a qualquer momento, diz Housel.

Tomar decisões a partir daquilo que já se sabe, e não intuindo aquilo que talvez aconteça, faz parte da estratégia de alguns dos empresários e gestores mais bem-sucedidos da atualidade, Warren Buffett e Jeff Bezos.

Em 2009, quando os EUA viviam os dias de pânico da crise financeira e a economia estava mergulhada em recessão, um conhecido de Buffett quis saber como o país sairia daquele abismo.

“Você sabe qual era o chocolate mais vendido em 1962?,” retrucou Buffett. “Snickers. E sabe qual é o chocolate mais vendido hoje? Snickers.”

Bezos também gosta de gastar energia pensando sobre coisas que nunca mudam. O criador da Amazon diz que as pessoas sempre lhe perguntam o que vai mudar nos próximos dez anos, mas nunca o que não vai mudar nos próximos dez anos. “A segunda pergunta na verdade é a mais importante,” diz.

Bezos sabe que as pessoas vão continuar desejando preços baixos e entregas rápidas – e é nisso que a Amazon deve centrar forças.

Housel faz parte do grupo dos céticos com relação à capacidade dos analistas de fazer previsões, porque eles têm um péssimo histórico em tentativas de antecipar recessões, resultados eleitorais e novas tecnologias.

A geopolítica poderá se reconfigurar completamente, a tecnologia continuará criando novidades inesperadas, mas certas coisas serão as mesmas de sempre, defende Housel. “Coisas que nunca mudam são importantes porque nos permitem saber com alguma confiança como irão moldar o futuro.”

O autor dá alguns exemplos de sua maneira de pensar. Ele diz não fazer a menor ideia de como as ações vão se comportar, mas “estou bastante seguro da propensão à ganância e ao medo” e “é sobre isso que eu passo tempo refletindo.”

Os casos de sucessos empresariais minados pelo excesso de confiança ou pela ambição desmesurada continuarão se sucedendo, bem como as ações de pessoas motivadas pela inveja, pelo medo e a falta de visão de longo prazo. Deslizes ínfimos, acumulados ao longo do tempo, produzirão novos desastres épicos.

“Não posso afirmar quais negócios dominarão a próxima década, mas posso garantir que os líderes empresariais acabarão por deixar o sucesso subir à cabeça, tornando-se preguiçosos e presunçosos, o que no fim levará a seu declínio,” escreve. “Esse cenário nunca mudou em centenas de anos, e nunca vai mudar.”

Como permanece o mesmo o fato de que alcançar grandes objetivos exige suor. Não vem fácil – nem mesmo para pessoas nascidas sob a estrela do talento.

Quando Jerry Seinfeld decidiu encerrar a série por causa da exaustão profissional, perguntaram a ele se a ajuda de uma consultoria como a McKinsey poderia ter ajudado a criar um processo de produção mais eficiente e menos cansativo.

“Se você é eficiente, está fazendo as coisas do jeito errado,” respondeu Seinfeld. “O jeito certo é o difícil. A série foi um sucesso porque supervisionei cada palavra, cada fala, cada tomada, cada edição, cada escolha de elenco.”

Charlie Munger já disse algo parecido.

“O modo mais seguro de tentar obter o que desejamos é tentar fazer por merecê-lo,” ensina Charlie Munger. “É uma ideia simples. Uma regra de ouro. Querer entregar ao mundo o que compraríamos se estivéssemos na outra ponta.”

Trazendo os ensinamentos para a vida pessoal e profissional, o melhor plano financeiro parece ser “poupar como um pessimista e investir como um otimista,” conclui Housel.

“Essa ideia – a crença de que as coisas ficarão melhores, combinada à realidade de que o caminho entre o presente e o futuro será uma cadeia contínua de reveses, decepções, surpresas e choque – aparece ao longo de toda a história, em todas as áreas da vida.”

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