A ação da Eletrobras caiu ao redor de 5% hoje depois que a Agência Infra reportou que o Governo poderia desistir da obra da Usina Angra 3 – que foi iniciada em 2010 e paralisada seis anos depois.

A Infra disse que a Casa Civil procurou a opinião de especialistas sobre a necessidade de realmente terminar a usina. Segundo o site – uma fonte respeitada do setor –  uma ala do governo está convencida a não continuar o projeto.

A obra da usina já está 70% concluída, mas os 30% que restam são a parte mais custosa do projeto. O capex estimado para a conclusão é de R$ 20 bilhões e será bancado pela Eletronuclear, onde a Eletrobras tem 36% das ONs e 60% do capital total. O restante está nas mãos do Governo, que passou a controlar a Eletronuclear depois da privatização da Eletrobras.  

Segundo a modelagem do BNDES, esses R$ 20 bi restantes viriam de um financiamento que seria pago por uma tarifa mais alta nos primeiros 15 anos. Essa tarifa permitiria servir a dívida e remunerar o capital numa TIR de 8% a 9%.

Entra Governo, sai Governo, cada novo chefe do Executivo tem que se confrontar com a realidade matemática de Angra 3 – a de que faz mais sentido terminar a obra do que abandonar a usina.

“Para terminar a obra é só tomar um financiamento; a Eletrobras e o Governo não teriam que colocar nada de dinheiro próprio,” disse uma fonte próxima à empresa. “Já para interromper a obra, seria necessário colocar capital próprio, algo na ordem de R$ 15 bilhões. Não me parece inteligente ir por esse caminho.”

No caso do abandono da obra, haveria duas implicações mais relevantes. 

A primeira seria em relação às dívidas que a Eletronuclear tomou para a primeira parte do projeto. A companhia tomou R$ 6,1 bilhões em financiamento com a Caixa e o BNDES, e essas dívidas têm uma cláusula que obriga o pré-pagamento caso a obra seja abandonada.

O garantidor dessas dívidas é a Eletrobras. Em outras palavras, caso a Eletronuclear não pague as dívidas, a Eletrobras teria que arcar com elas e depois entrar na Justiça para reaver os valores. 

A segunda implicação seriam os custos do descomissionamento da planta e as multas pelo cancelamento dos contratos de fornecimento de energia. 

Antonio Junqueira, o head de research do Citi, estimou num email a clientes que o descomissionamento custaria em torno de R$ 4 bilhões, e as multas, outros R$ 3 bi. 

A grande dúvida é, “se a Eletronuclear não tiver o dinheiro para pagar por isso (usando a geração de caixa de Angra 1 e 2), quem pagaria? A Eletronuclear teria que fazer um aumento de capital? E a Eletrobras seria forçada a participar?” escreveu Junqueira.

Para o analista, não há nenhuma regra escrita sobre isso.

“A regra escrita era para o capex do restante da construção de Angra 3 e não para o abandono da obra. Sim, a Eletrobras pode ter que participar de um aumento de capital, mas acho que isso não está claro e que uma disputa legal pode ser necessária para resolver isso,” escreveu Junqueira.

No debate sobre a conclusão de Angra 3, muitas vezes se argumenta que a energia nuclear é cara (e fica mais cara cada vez que a obra é adiada) e que as fontes renováveis dão conta da matriz energética – sem considerar que solar e éolicas são fontes intermitentes.

“O Brasil precisa de usinas de base – aquelas que funcionam 24 horas por dia, todos os dias do ano – e só temos Angra 1 e 2, que seriam complementadas pela Angra 3,” disse uma fonte do setor. 

Além disso, “Angra 3 está encravada no coração do PIB industrial brasileiro, equidistante de Belo Horizonte, São Paulo e do Rio de Janeiro.”

Essa fonte nota que a tarifa de Angra 3 seria cara apenas nos 15 primeiros anos de operação, por conta do serviço da dívida. 

Nesse período, ele estima que a tarifa giraria em torno de R$ 600-700 por MW/h. Depois, ela reduziria para cerca de R$ 250 por MW/h por mais 25 anos – dado que a concessão é de 40 anos. No final, “ficaria muito barata,” disse essa fonte.

Sobre os impactos do cancelamento da obra para a Eletrobras, Junqueira calcula que, se a dívida e o descomissionamento forem pagos parcialmente (ou inteiramente) pela Eletronuclear, o impacto para o valuation da Eletrobras (feito pela ‘soma das partes’) poderia ser zero. 

“Se a Eletrobras, no entanto, pagar pelas dívidas e pagar 36% do descomissionamento, o custo total chegaria a R$ 8,6 bilhões. A Eletrobras, no entanto, tem o ‘direito de regresso’: poderia ir atrás de seus direitos e a situação criaria muito barulho desnecessário para todos os envolvidos,” escreveu o analista.

Junqueira disse que, por enquanto, seu modelo estima que a participação da Eletrobras no capital da Eletronuclear vale zero; ele ainda não assume um cenário em que a Eletrobras tenha que colocar mais dinheiro.