O terremoto político que sacudiu os EUA reverberou no mundo todo e colocou de cabeça para baixo as teses de investimento que prevaleceram nos últimos anos.
 
Não conte mais com o juro zero de um Federal Reserve acomodativo. Não conte mais com os benefícios crescentes do livre comércio e da globalização. Não conte mais com o dólar barato.
 
E, claro, espere o inesperado.
 
Depois do banho de sangue na Bovespa, no câmbio e nos juros semana passada, empresários, gestores e o Governo estão perplexos:  o dólar mais forte ameaça constranger o Banco Central justo quando a queda da Selic estava começando. Isso sem falar nos balanços das empresas endividadas, que podem voltar a piorar.
 
Entre sexta à tarde e sábado de manhã, o Brazil Journal conversou com André Jakurski, um dos mais respeitados investidores do Brasil e fundador da JGP, que administra R$ 10 bilhões em recursos de clientes.
 
Há dois meses, falando sobre os riscos da China, Jakurski já havia dito que o mundo está mais para posições táticas do que permanentes.  “Posição permanente é aquela que você investe com horizonte de longo prazo. Tático é aquilo que você está disposto a mudar de ideia a qualquer momento.”   Com Trump na Casa Branca, esse conselho faz mais sentido ainda.
 
Jakurski havia dormido pouco nos últimos dias, mas com a cabeça afiada e o humor, intacto.
 

BRAZIL JOURNAL: What the hell happened?

Todo mundo errou porque as pesquisas foram mal feitas. A primeira coisa é isso: a má qualidade das pesquisas. Erraram o Brexit, erram o plebiscito na Colômbia, erram tudo.  Uma das coisas mais interessantes que eu ouvi é que esses erros estão acontecendo porque os pesquisadores têm tido menos colaboração por parte dos entrevistados. Antigamente, quando você perguntava:  ‘posso te fazer umas perguntas?’, um terço das pessoas dizia ‘sim’; hoje, menos de 9% aceitam responder. Aí os caras têm que fazer muita elocubração, muita extrapolação para dar um chute, então para mim esses episódios mostraram que as pesquisas não valem muita coisa.

Outro grande erro é que todos os caras encarregados dessas pesquisas ficam em ambientes tendenciosos:  no caso dos EUA, eles estão nas grandes cidades, que são Democratas, e no caso do Brexit, ficam em Londres, onde a maioria da população era a favor de ficar na UE.  Viés de confirmação, amostras falhas, má distribuição…

O Trump vai fazer a America ‘great again’ ou o mundo ‘volátil again’?

Todo mundo tem medo do Trump ou porque não gosta dele, ou porque acha ele louco, ou porque não o conhece. É o velho ditado:  ‘Melhor um bêbado conhecido que um alcóolatra anônimo.’  [risos] Mas do ponto de vista de alguém que é a favor do livre mercado — tirando toda a fanfarronice dele — o Trump é melhor do que o triunvirato formado pela Elizabeth Warren, a Hillary e o Bernie Sanders. Eu também tenho essa sensação de incerteza, mas, por este ponto de vista, acho até melhor que tenha sido assim.

Agora, o cara não é um sujeito normal. Se ele for o chairman [dos EUA], isso é melhor do que se ele for o CEO…  Ele tem que simplesmente delegar, arbitrar conflitos e escolher as pessoas certas.  Se fizer isso, ele será uma imagem pálida do que foi o Ronald Reagan, que todo mundo achava um imbecil, um canastrão que não tinha dado certo em Hollywood e foi um dos melhores presidentes dos EUA. As credenciais não favorecem, mas tudo pode acontecer, inclusive coisas boas, porque lá, como você sabe, existe uma máquina: o Estado funciona, não importa quem esteja no comando.  Não é igual aqui no Brasil em que a coisa depende de uma pessoa mandar fazer ou não.  Mas em termos de política econômica, ele tem um plano muito agressivo de expansão fiscal e de corte de impostos que pode ser uma coisa boa.

Mas neste caso, o que é bom para os EUA pode não ser tão bom para o resto do mundo.André Jakurski

Te juro que não sei te responder isso. Estávamos tendo um problema muito sério com essa estória de juro zero.  Isso gera uma má alocação de capital no mundo todo… De repente, para os mercados emergentes pode ser pior, mas para a economia global pode ser bom. Não dá pra prever.  Qualquer previsão agora é chute.  Fico até desconfiado que o cara quer imitar mesmo o Reagan, mas também não tem espaço: a curva de endividamento dos EUA vai piorar muito.  Além disso, os EUA já estão próximos do pleno emprego; se crescer acima de 1,5%, vai ter inflação nos EUA.

Esse experimento que foi feito com juro zero e negativo é uma insanidade. Se essa insanidade acabar, eu acho bom. Como é que pode existir capitalismo se quanto mais você poupa, menos você tem no futuro? Agora, o juro vai subir de acordo com o que acontecer… Existe uma pressão deflacionária global muito grande hoje, por causa das dívidas que você tem aí. As dívidas globais não aguentam um juro muito alto. O Fed tem o poder de manipular o juro para ele ficar baixo, mas, nos apertos monetários, ele só sanciona o que o mercado estabelece; o Fed não é líder desse processo. Para você ter uma ideia, nos últimos anos, o juro de longo prazo que o mercado pratica sempre foi mais baixo que o juro com o qual o próprio Fed trabalha.

É inegável que a política que ele pretende adotar vai gerar um dólar forte: na margem, isso não é bom para os EUA, mas é bom para os parceiros comerciais. Vamos ver como isso se desenrola.  Eu acho que a tendência é o dólar ficar forte e o juro subir alguma coisa, mas não muito.

O que você achou do impacto desse novo cenário nos ativos brasileiros até agora?

Para o Brasil, isso foi só um empurrão, porque o Brasil já tinha exaurido a alta antes disso.  Se você olhar o mercado, vai ver que ele já tinha feito uma exaustão dias antes.  Todo mundo se animou muito depois do impeachment, mas a verdade é que o Brasil não saiu do atoleiro.  Os números da economia real continuam a vir péssimos: vendas de varejo, índices de produção, arrecadação, inadimplência… E os estrangeiros, dessa vez, não vieram.  Ficou uma brincadeira entre os locais.  Os estrangeiros compraram na baixa e venderam na alta para os locais. Deram um baile nos brasileiros. Operaram bem.

Mas a culpa desse processo não foi o Trump. O Trump só ajudou a empurrar. O problema é que, na medida em que o câmbio se desvaloriza, fica mais difícil baixar os juros, e esse juro que tá aí é inviável. Quando você imagina uma inflação de 5% para o ano que vem, o juro real ex-ante tá muito alto..  As empresas estão altamente endividadas e não geram caixa pra servir essa dívida com esse juro aí.  E estamos falando só da Selic, pois o juro cobrado pelo monopólio bancário do Brasil é extorsivo.

O problema é o seguinte: ninguém investe porque o juro é alto. Mas se você baixar o juro, como não tem capacidade ociosa e a oferta é limitada, a coisa bate na parede e você tem inflação.  Mas, se você não baixar o juro, a economia também não levanta. É o ovo e a galinha. Mesmo nas recessões mais profundas, o Brasil não tem capacidade ociosa para crescer sem gargalo.

Outro problema para baixar a inflação é que, como você indexou os salários à inflação do ano anterior, você acaba tendo aumentos reais mesmo em anos recessivos, o que não deixa a inflação ceder mais. No ano que vem, por exemplo, vamos ter aumento de salário real…

Pelo que você viu nos últimos dias no câmbio, nos juros e na Bovespa, você diria que o mercado fez um ‘overshooting’, ou não?

O mercado fez um overshooting na subida e agora teve uma reação igual e contrária na descida.  Estou falando de Bolsa, câmbio e juros futuros. Mudou a música da noite para o dia, e vai ser difícil voltar aos níveis de antes da eleição do Trump.

Qual a principal variável que vai indicar o piso do preço dos ativos brasileiros nesse novo cenário?  É o câmbio aqui, ou o movimento do Fed lá?

Impossível prever.  Tem fatores políticos aqui e no exterior que vão determinar o humor dos mercados.  Na Europa, por exemplo, tem um monte de eleições vindo aí..  Tem as variáveis econômicas, os erros não forçados dos formuladores de política, China…

A grande preocupação agora no Brasil tem que ser com o próprio Brasil: se você não conseguir fazer a economia se recuperar, dane-se o que acontece lá fora. A Venezuela não está mal por causa dos EUA.  O Brasil tem que cuidar do seu próprio umbigo.

Você acha que esse novo cenário vai sensibilizar a nossa classe política?

O conhecimento dos nossos Congressistas é muito limitado. Eles geralmente estão mais preocupados com o que acontece no seu curralzinho do que no mundo; aliás, muitos não tem noção do que acontece em lugar algum.

Mas se o Brasil não for repaginado, meu amigo…. vai dar m… Se o Brasil não der uma guinada rápida, quem é que nós vamos eleger daqui a dois anos?  Quem será o candidato?  Hoje, os eleitores aqui do Rio reclamam do Crivella e do Freixo [expoentes da direita e da esquerda].  Espere dois anos pra ver.