Eduardo Cunha Até recentemente, o Governo Federal era o grande organizador da suruba com o dinheiro público.

Alucinado, ele encomendava a bebida, contratava empréstimos indecorosos e cheirava o pó de arroz da maquiagem fiscal na frente de todo mundo. Na lista de convidados, setores privilegiados da economia, prefeitos e governadores.

Foi com esse espírito libertino que, ainda em 2013, o Executivo mandou para o Congresso uma lei que aplicaria um índice ‘mais manso’ para corrigir a dívida de Estados e municípios com a União — e, com isso, aliviaria as dívidas (e as vidas) de prefeitos e governadores.

O texto foi aprovado pela Câmara, passou no Senado em novembro de 2014 e foi sancionado pela Presidente naquele mesmo mês.

Só que, de lá para cá, os Estados e municípios continuaram devendo as calças, porque o Planalto — agora em rehab — não regulamentou a lei.

(Eu suspeito que tenha sido culpa da ‘grave crise internacional’, mas não tenho certeza. Só sei que essa aí anda por trás de tudo ultimamente.)

Ontem, a Presidente explicou — aliás, humildemente — a verdadeira situação: “Nós estamos fazendo um imenso esforço fiscal. Achamos importantíssimo tratar da questão da dívida dos Estados. Agora não temos condições de fazer essa despesa. Obviamente, assim que melhorar, teremos todo o interesse em resolver esse problema.”

Mas quem tem fome (de obras e votos) tem pressa. Assim, a Câmara ontem à noite aprovou com 389 votos uma lei que dá 30 dias à União para assinar os aditivos contratuais com os novos índices. Se isto não for feito, os novos índices entram em vigor do mesmo jeito.

O PT votou a favor porque acredita em almoço grátis, sempre acreditou. O PMDB, porque é viciado — cracolândia style — num gasto público. O PSDB, porque deve ter achado que ficaria ridículo ser mais realista que o rei, ficando contra a medida só para ajudar um esforço fiscal que nem é do Armínio.

Agora vamos às explicações de cada um. Joaquim Levy 

Eduardo Cunha disse que a demora do Planalto em regulamentar a lei era uma “interferência do Poder Executivo no Poder Legislativo”. (Frank agora só tem esse discurso, e o usa para qualquer finalidade e ocasião. Não cola, ainda mais depois que todo mundo viu o Planalto ficar de quatro perante o Congresso, e não o contrário.)

Renan Calheiros se refugiou num eufemismo evasivo: para ele, o adiamento na regulamentação da lei representa um “desajuste”.

Pode me chamar de cético, mas, provavelmente, nenhum dos dois está pensando nas instituições nem no País, e sim numa agenda menor, como ajudar seus próprios Estados e correligionários. O filho de Renan governa Alagoas, e Cunha tem toda a sua base no Rio, cujas finanças já não estavam uma Brastemp depois de Sérgio Cabral, e que agora, com o petróleo a preço de tubaína, se estrepou de vez.

Cada um dá o voto de confiança que quiser — e a quem escolher — e a Standard & Poor’s deu o seu para a equipe econômica e as instituições brasileiras. Foi como entregar a virgindade ao tarado da rua, porque esta Câmara que está aí está se lixando para ajuste fiscal. Continua cobrando pedágios, dando chiliques, vivendo na bolha.

Claro, está todo mundo “no seu papel” — só não vamos fingir que dinheiro brota do chão.

Hoje vai ser um bom dia para o dólar e os juros retomarem suas trajetórias de antes da S&P — aparentemente, inexoráveis.