Paulo Guedes, o ministro, ainda está começando a construção de seu legado, mas Paulo Guedes, o investidor, está prestes a colher os frutos de uma estratégia iniciada há três anos.
Concebida ainda quando Guedes era investidor de private equity e fruto da paixão do atual ministro pela educação, a Afya — o maior grupo de educação médica do Brasil — está a dois dias de precificar seu IPO na Nasdaq.
A demanda já seria de três vezes o tamanho da oferta, segundo dois investidores estudando a transação.
A Afya — que significa ‘saúde’ em suahíli — está vendendo 13,9 milhões de ações (incluindo o lote suplementar) numa faixa de U$ 16 a US$ 18 por ação. No meio da faixa, a oferta vai levantar US$ 236 milhões e avaliar a empresa em US$ 1,5 bilhão. (Há também uma pequena oferta secundária de 1,9 milhão de ações.)
Trata-se de um dos IPOs mais discretos da história recente, mas, depois do sucesso megablaster do IPO da Arco Educação (no mesmo setor, e também com listagem apenas na Nasdaq), alguns investidores estão discretamente fazendo o dever de casa.
O negócio de educação médica é o filé mignon do setor — evasão baixa, inadimplência magra, e os tíquetes mais altos — e a Afya construiu um modelo de negócios que monetiza cada passo dos futuros médicos do Brasil.
A companhia se divide essencialmente em três negócios.
O primeiro, a NRE Educacional, é dono de uma série de faculdades de medicina e responde por cerca de 80% da receita total da empresa. A ideia é continuar comprando mais faculdades e extrair sinergias operacionais e administrativas.
A NRE terminou o ano passado com 600 vagas de medicina, deve fechar este ano com 1.300 e o plano é usar os recursos do IPO para adicionar mais 1.000 vagas em 2020, comprando faculdades. O crescimento aqui dependerá da empresa encontrar oportunidades de M&A a preços racionais. Hoje, a NRE tem faculdades em praças pouco óbvias como Tocantins, Piauí, interior de Minas Gerais e do Paraná.
(A NRE não tem apenas faculdades de Medicina, ainda que este seja seu foco. Os campi da Afya oferecem 30 cursos, incluindo Odontologia, Direito, Engenharia, Enfermagem, Psicologia, Ciências Sociais, Contabilidade e Administração.)
Depois que o aluno de medicina se forma, começa a batalha sangrenta pela residência, e a Afya também tem um produto para oferecer. No ano passado, a companhia comprou o MedCel, um curso preparatório para residência médica 100% online.
Nos últimos anos, o número de formandos em medicina aumentou, mas as vagas de residência ficaram mais ou menos estáveis. Como a concorrência está de matar, o valor relativo do curso preparatório tem aumentado. Neste mercado, o MedCel compete com o MedCurso, um curso via satélite que tem um share de 80%. Mas o MedCurso exige que o aluno se desloque até um ponto físico para assistir as aulas, que são ao vivo, enquanto as aulas online do MedCel oferecem mais conveniência.
De acordo com um investidor, o MedCel tem feito um marketing agressivo, tem se aproximado de centros acadêmicos e se beneficia de oferecer um tíquete menor que o concorrente.
O terceiro negócio da Afya — cursos de especialização — só começou a fazer parte da companhia dois meses atrás, quando a Afya comprou a Faculdade de Ciências Médicas do IPEMED, líder em cursos de pós-graduação médica com mais de 2.100 alunos em sete campi. O IPEMED tem parcerias internacionais para programas de observação e estágio com a Harvard Medical School e a Universidade de Miami.
“Quando o médico sai da residência em ortopedia, ele pode querer se especializar em tornozelo, e o IPEMED oferece algo análogo a isso,” diz um investidor.
Enquanto o faturamento cresceu 55% entre 2017 e 2018, o lucro da Afya dobrou de R$ 48 milhões para R$ 95 milhões. A faixa de preço da oferta implica um múltiplo de 21,5 a 24 vezes o lucro estimado para este ano, e 15,7 a 17,4 vezes o lucro de 2020. Para efeito de comparação, a Arco Educação negocia a 40 vezes o lucro estimado para 2020 — mas seu negócio tem um componente tecnológico maior que o da Afya.
Para um investidor que trabalha no setor, as margens da Afya tendem a ser maiores agora, quando seus cursos ainda estão no início.
“Neste momento, as classes são maiores e a companhia não tem o custo hospitalar, mas a partir do quinto ano de curso, o aluno passa ao regime de internato: as turmas ficam menores e ele tem que fazer estágio em hospitais, o que gera um custo para a empresa,” diz ele.
Bank of America-Merrill Lynch, Goldman Sachs e UBS estão coordenando a oferta. O sindicato conta ainda com Morgan Stanley, Itaú BBA, BTG Pactual e XP Investimentos.