Neste artigo final da série, não vamos focar em um filósofo — nem em um pensador “original”.

O personagem central aqui é Arthur C. Brooks, PhD, professor da Harvard Business School. Seu grande mérito foi, junto com seus assistentes, pesquisar, organizar e traduzir para a vida real, literalmente, milhares de estudos científicos produzidos ao longo das últimas cinco décadas sobre o que torna uma vida plena. A tal da ciência da felicidade.

Em 2024, tive a oportunidade de assistir a seu curso Leadership and Happiness, um dos mais disputados da HBS. Antes da carreira acadêmica, Brooks foi presidente de um dos maiores think tanks americanos, o American Enterprise Institute, e, pasmem, um músico clássico profissional.

Brooks começa o seu curso com duas frases: (i) felicidade é uma habilidade que pode ser trabalhada”, e (ii) “não prometo que sairá do meu curso propriamente feliz, porém ‘mais’ feliz do que começou”. Com o adendo: “desde que aplique as técnicas de autoconhecimento e atitudinais que estou propondo.” 

Com a mesma esperança, parafraseio Brooks em relação aos meus artigos: não espero que eles transformem de imediato a sua vida, mas talvez, com um pouco de sorte e atenção, ajudem a provocar pequenas reflexões que te leve a viver uma vida que valha mais a pena ser vivida.

Para Brooks, a felicidade (ou a vida completa) tem três componentes principais:

-Prazer (enjoyment) com presença e envolvimento.

-Satisfação (satisfaction) – no sentido de conquistas.

-Propósito (purpose) ou sentido.

1)Enjoyment”, o prazer com sentido.

Diferente do pleasure, que é instantâneo e fisiológico (como o estímulo imediato de uma refeição rápida ou uma distração fugaz), o enjoyment é emocional, relacional e duradouro. Ele nasce da presença, da atenção e do esforço.

Brooks gosta de repetir: “Se você quer se tornar mais feliz, precisa aprender a ser menos infeliz.” E ainda: “Tornar-se mais feliz exige que aceitemos a infelicidade como parte da vida — e compreendamos que ela não é um obstáculo à felicidade.”

Aqui há uma ideia que contraria o senso comum: a alegria autêntica exige desconforto. Aprender a tocar um instrumento, escrever um livro (ou mesmo este artigo), criar um filho, praticar esportes ou construir uma amizade profunda — tudo isso envolve esforço, paciência e frustração. Mas é esse esforço que dá profundidade e durabilidade à experiência. O prazer puro tende a ser vazio; o prazer conquistado, pleno.

Em resumo: felicidade não é o oposto da dor, mas a capacidade de integrar prazer e sacrifício com lucidez. Não há enjoyment sem envolvimento, e não há envolvimento sem esforço.

2) Satisfação, o prazer das conquistas (e seus limites)

A satisfação é o segundo componente da felicidade: o prazer de atingir uma meta ou superar um desafio. No entanto, ela dura pouco. Como mostram pesquisas clássicas em psicologia e economia comportamental (Brickman & Campbell, 1971; Brickman et al., 1978; Kahneman & Deaton, 2010 – frequentemente citadas por Brooks), nossos níveis de felicidade se adaptam rapidamente às conquistas. O cérebro normaliza o sucesso: um novo salário, um novo título, uma nova casa logo perdem o brilho.

É a chamada esteira hedônica (hedonic treadmill): quanto mais corremos atrás da satisfação, mais rápido ela escapa. Por isso, a busca desenfreada por conquistas externas gera frustração — especialmente na meia-idade, quando percebemos que já temos quase tudo, mas ainda nos sentimos incompletos.

A solução, para Brooks, não é renunciar às conquistas, mas redefini-las. A verdadeira satisfação vem de investir em algo alinhado aos nossos valores, como mentoria ou causas sociais. Não do troféu, mas do caminho percorrido — um paralelo evidente com o Vedanta discutido em um dos artigos da série: o esforço deixa de ser meio e se torna fim.

3) Propósito — o eixo da felicidade duradoura

“O terceiro macronutriente é o mais importante: o propósito.”

O propósito une os dois anteriores. Se prazer e satisfação são chamas passageiras, o propósito é o fogo contínuo que as alimenta. Brooks insiste em uma mudança de foco: do “eu” para o “nós”. Não se trata de introspecção infinita, mas de abertura aos outros.

Pesquisas contemporâneas reforçam isso: pessoas centradas em si mesmas, preocupadas com imagem ou status, têm menor bem-estar, enquanto as altruístas ganham estabilidade emocional (Lyubomirsky, 2008; Aknin et al., 2019).

O sentido raramente surge “de dentro”; ele aparece em algo externo: uma causa, uma missão, uma pessoa ou uma fé. Brooks o vê como antídoto ao vazio. Para encontrá-lo, pergunte: “O que eu posso oferecer ao mundo?”

O que fazer, afinal, com esses três macronutrientes?

Para Brooks, esses três componentes não são alternativas entre si, mas dimensões que precisam ser cultivadas e equilibradas ao longo da vida. A vida plena não emerge por acaso; ela resulta de escolhas intencionais sobre onde colocamos atenção, tempo e energia.

O erro mais comum é tentar maximizar apenas um deles. Quando o prazer é buscado isoladamente, ele se esvazia. Quando a satisfação vira um fim em si mesma, ela se dissipa rapidamente. É o propósito que organiza os outros dois, dando direção ao prazer e sentido às conquistas.

Por isso, Brooks propõe uma mudança simples e profunda: viver de forma mais deliberada, perguntando menos “o que me traz retorno imediato?” e mais “para quem e para quê estou vivendo?”.

Essa integração exige decisões conscientes sobre onde investir tempo, energia e atenção, equilibrando prazer com presença, satisfação com significado e propósito orientado ao outro. É esse investimento intencional, e não a busca isolada por resultados, que transforma bem-estar momentâneo em uma vida verdadeiramente plena.

Mas esses macronutrientes não operam no vácuo; eles são influenciados principalmente pelas mudanças biológicas inevitáveis do envelhecimento. É precisamente essa transição biológica, que exige uma redefinição na forma como buscamos satisfação e propósito, como veremos a seguir.

As duas curvas da inteligência — From Strength to Strength

É aqui que Brooks traz, a meu ver, sua maior contribuição para esta série de artigos sobre Uma Vida que Vale a Pena Ser Vivida.

Essa teoria das duas curvas da inteligência foi formulada por Raymond Cattell em (Harvard – 1941) e aprofundada por John Horn (Universidade do Colorado – 1966). Eles demonstraram que a mente humana opera, ao longo da vida, por meio de dois tipos distintos de inteligência, que seguem trajetórias diferentes no tempo. 

Brooks se apropria dessa teoria e a traduz para a vida prática, especialmente no contexto da felicidade, do trabalho e do envelhecimento saudável. Em termos simples, ele a organiza da seguinte forma:

1- Inteligência fluida

É a capacidade de resolver problemas novos, criar, inovar e raciocinar com rapidez.

É a energia da juventude: lógica, performance, ousadia, improviso.

É o que move inventores, artistas, atletas e empreendedores.

Essa fluidez cognitiva começa a declinar biologicamente a partir dos trinta e tantos anos.  O “processamento mental” perde velocidade, e a mente já não é tão rápida nem tão competitiva. Essa queda é natural e inevitável.

2- Inteligência cristalizada

Em paralelo, cresce outro tipo de força: a capacidade de integrar ideias, aplicar o que se aprendeu, ensinar e sintetizar.

É a inteligência do professor, do mentor, do sábio.

Ela continua a se desenvolver por décadas, muitas vezes até os 70 ou 80 anos.

A partir dessa distinção, Brooks propõe uma metáfora existencial poderosa.

A primeira curva da vida é a da conquista.

A segunda curva é a da sabedoria e do compartilhamento.

E é justamente quando tentamos permanecer na curva errada — insistindo em provar desempenho quando deveríamos estar compartilhando experiência — que a infelicidade surge.

“A infelicidade começa quando insistimos em viver na curva errada da vida.”

Muitos resistem. Empresários, artistas, cientistas e líderes têm dificuldade em aceitar que o tipo de força que os trouxe até aqui não será o mesmo que os levará adiante.

Tentam manter-se relevantes pelo desempenho, quando a vida os convida a serem relevantes pelo impacto humano.

Mas é justamente ao aceitar essa mudança que se abre a porta para a segunda curva da felicidade.  A mente perde velocidade, mas ganha profundidade. O sucesso externo cede lugar à realização interna.  A força da juventude é vencer; a força da maturidade é compreender; a força da velhice é inspirar.

A neurociência apoia essa transição.

Pesquisas mostram que, enquanto áreas ligadas à agilidade cognitiva diminuem, as relacionadas à integração e empatia — como o córtex pré-frontal medial e o giro angular — continuam a se desenvolver. Por isso, professores, mentores e pensadores produzem suas obras mais impactantes na maturidade.

A sabedoria é, portanto, uma forma tardia e mais elevada de inteligência que, como procurei mostrar nos artigos anteriores, floresce quando o foco se desloca de si próprio, orientando-se cada vez mais para o outro e para o coletivo.

 

Conclusão

Citei, ao longo desses artigos, alguns dos maiores pensadores e tradições do mundo ocidental e oriental — pessoas e correntes que dedicaram a vida a pensar, estudar e observar a condição humana. O que me fascina é que, por caminhos tão distintos, tenham chegado repetidamente à mesma conclusão: a vida ganha densidade e se torna mais prazerosa quando é vivida com sentido e propósito.

É importante dizer que não escolhi esses textos com esse objetivo prévio. Não havia uma tese a ser provada nem uma conclusão a ser forçada. O movimento foi o inverso.

Ao atravessar tradições tão diversas — filosofias clássica e moderna, espiritualidades ocidental e oriental, psicologia moderna, neurociência —, esse ponto de chegada surgiu como um resultado natural, quase inevitável. Como se, ao longo de milênios, diferentes culturas e campos do conhecimento tivessem captado, cada um à sua maneira, a mesma essência da natureza humana, moldada pela evolução gregária da espécie.

Recapitulando, Jung via a segunda metade da vida como uma jornada de individuação, o momento em que o ego deixa de buscar aprovação externa e passa a buscar sentido.

Maslow descrevia a autorrealização e, mais tarde, a transcendência, como o estágio em que o indivíduo desloca o olhar do eu para o todo.

No Vedanta, a felicidade pode ser alcançada pela elevação da nobreza dos desejos, tornando-os mais coletivos e universais.

A tradição judaico-cristã sintetiza essa mesma intuição na chamada lei de ouro, uma ética simples e radical que propõe tratar o outro como a si mesmo.

Até mesmo a reflexão contemporânea sobre os limites do livre-arbítrio aponta para uma consequência semelhante: menos julgamento, mais gratidão; menos soberba, mais empatia.

Talvez ninguém tenha sido tão explícito nesse sentido quanto Viktor Frankl, que mencionei menos do que merecia ao longo desta série. Frankl (um psiquiatra austríaco sobrevivente de campos de concentração nazistas e fundador da logoterapia) foi ainda mais explícito: o ser humano não é movido principalmente pela busca do prazer nem pelo desejo de poder, mas pela busca de sentido. E o sentido, insistia ele, quase nunca é encontrado em si mesmo.

Chego, assim, ao término desta série com um agradecimento e um convite. Agradeço ao leitor que me acompanhou pelo prazer (enjoyment) que vivi ao compartilhar essas reflexões. Foi uma jornada desafiadora, divertida e gratificante.

E aqui, o convite: se os temas discutidos ao longo dos artigos já fazem parte da sua vida, fico feliz — e que possamos, juntos, atrair mais gente para esse caminho. Se ainda não, talvez seja o caso de começar a se debruçar sobre eles, pois esse movimento pode, quem sabe, contribuir para a construção de uma vida que vale a pena ser vivida!

Jair Ribeiro é empresário do setor financeiro, tecnologia e educação.  É o fundador e presidente da Casa do Saber e da Associação Parceiros da Educação. Passou o último ano em Harvard no programa Advanced Leadership Initiative, que apoia líderes do setor privado a transformarem sua trajetória em projetos de impacto social.