Es la seguridad, estúpido.
Em toda e qualquer eleição será estupidez atribuir a vitória de um candidato a um único fator.
Mas, assim como no Brasil e em outros países da América Latina, a (in)segurança pública despontou como uma das maiores preocupações dos eleitores chilenos e deve ser um dos fatores determinantes no segundo turno da eleição presidencial, em 14 de dezembro.
Ontem, no primeiro turno, Jannette Jara, do Partido Comunista – a candidata governista apoiada pelo presidente esquerdista Gabriel Boric – ficou em primeiro lugar, com 26,8%. Mas parece destinada a ser derrotada.

O conservador de direita José Antonio Kast, do Partido Republicano, chegou em segundo com 23,9%, mas deverá receber em massa os votos dados a outros candidatos de oposição ao Governo Boric.
O resultado do primeiro turno foi bastante fragmentado. No somatório geral, porém, os votos para a centro-direita e a direita conquistaram sólida vantagem.
Kast já recebeu o apoio de Johannes Kaiser, o ‘Milei’ chileno, do Partido Nacional Libertário, que ficou com 13,9% dos votos – e também da direitista moderada Evelyn Matthei – uma ex-ministra do Trabalho e ex-senadora, filha de um ex-general da Junta do ditador Augusto Pinochet, e representante do tradicional União Democrata. Ela teve 12,4% dos votos.
Nas apostas dos mercados preditivos, a vitória de Kast é dada como certa. No Polymarket, ele já vinha liderando com folga e agora aparece com mais de 95% de chance de vitória.

Jara, que gosta de ser comparada à ex-presidente Michelle Bachelet, é tida como menos radical do que os colegas comunistas, e foi escolhida para ser a candidata governista nas primárias dos partidos de esquerda em junho. (A lei chilena não permite reeleição consecutiva de presidentes.)
Como ministra do Trabalho no gabinete de Boric, ela liderou algumas das principais reformas aprovada pelos esquerdistas chilenos nos últimos anos, entre elas a redução de 45 para 40 horas na jornada semanal de trabalho, o reajuste do salário mínimo e a reforma previdenciária que deu aumento às aposentadorias.
Essas medidas, entretanto, não evitaram a baixa aprovação do Governo Boric, que caiu abaixo de 30% nos últimos meses.
Boric, o líder estudantil eleito há quatro anos com uma proposta de reforma constitucional e redução da desigualdade, manteve-se distante de radicalismos chavistas e buscou implementar sua agenda de reformas sociais.
Um dos raros líderes de esquerda da região que condena sem meias palavras as ditaduras de Cuba e da Venezuela, ele conquistou avanços internos modestos, enquanto a preocupação dos chilenos se voltava rapidamente para dois outros temas: a criminalidade e a imigração.

Apesar de ainda extremamente seguro para os padrões brasileiros, o Chile sofre um aumento da atuação do crime organizado, com a presença crescente de gangues venezuelanas e colombianas.
Há 1,6 milhão de estrangeiros vivendo no país, cerca de 8% dos 20 milhões de habitantes. Recentemente o fluxo tem sido liderado pelos venezuelanos. No Brasil, uma nação de 213 milhões de pessoas, os estrangeiros e naturalizados são pouco mais de milhão.
Diferentes pesquisas vêm mostrando que a insegurança e o narcotráfico subiram ao topo de preocupação dos chilenos.
O número de homicídios recuou desde o pico de 2022, quando chegou a 6,7 por 100 mil habitantes, mas se mantém ao redor de 6 – um número bem mais elevado do que na década passada, quando ficava em torno de 4. (No Brasil, a média nacional é 21 por 100 mil.)
Houve ainda no Chile uma explosão de casos de roubos e furtos – fatores que elevam o clima de insegurança.
Kast vem defendendo leis mais duras para integrantes de quadrilhas e a criação de cadeias de segurança máxima para os líderes das facções. Disse também que erguerá barreiras na fronteira para conter o tráfico.
Jara também apresentou propostas para endurecer o combate ao crime – mas não parecer ter convencido os eleitores.
As pesquisas também mostram que muitos chilenos atribuem à imigração o aumento do desemprego.
Na economia, Kast apresentou um plano chamado de el desplegue – a decolagem. As propostas envolvem a redução da burocracia, a diminuição de impostos e o controle dos gastos públicos.
Se sair de fato vencedor, terá, entretanto, uma segunda batalha adiante: a do apoio na Câmara e no Senado.
“O resultado das eleições para o Congresso delineia uma configuração política fragmentada, caracterizada pela incapacidade dos partidos de direita de obterem uma maioria inequívoca em qualquer uma das casas legislativas,” disse o BTG em relatório.
Na Câmara, os partidos de direita ficaram com 76 cadeiras, o equivalente a 49% do total de 155. No Senado, a direita e a centro-direita terão metade dos 50 votos.
Mas, como lembrou o BTG, há fissuras dentro das coalizões.
“Caso Kast assuma a Presidência, é altamente provável que ele busque iniciativas como reduções na alíquota do imposto corporativo, reintegração do sistema tributário e reformas destinadas a aumentar a flexibilidade do mercado de trabalho sejam buscadas,” afirmou o relatório. “No entanto, sua coalizão não possui maioria no Congresso. Espera-se que ele negocie com a oposição se quiser aprovar essas reformas, o que será difícil.”
Segundo a Goldman Sachs, Kast precisará do apoio dos moderados da centro-direita.
“Como resultado, propostas mais radicais podem não encontrar amplo consenso,” disse o banco em relatório. “Da mesma forma, uma Presidência sob Jeannette Jara enfrentaria, marginalmente, uma composição congressual mais desfavorável do que a enfrentada pelo presidente Boric, limitando, assim, os riscos associados às suas propostas mais radicais.”
Os ativos chilenos reagiram bem à votação no fim de semana, mas a valorização na verdade começou há algumas semanas, antecipando o desfecho da disputa.
O JP Morgan, por exemplo, reduziu sua recomendação para ações chilenas de overweight para underweight, alegando que os resultados das eleições já estavam precificados.
Segundo a Bloomberg, o ETF ECH, de ações chilenas em dólares, registrou entradas de mais de US$ 100 milhões na semana passada, seu maior ganho semanal da história – uma aposta na guinada à direita.
O índice subiu 2,4% hoje e acumula valorização de 49% no ano – pouco acima dos 45% de alta do EWZ, de ações brasileiras.
A provável vitória de Kast tem sido considerada por alguns analistas como mais uma etapa da onda de direita na América do Sul, depois da vitória de Javier Milei na Argentina, há dois anos, e da recente conquista de Rodrigo Paz na Bolívia.
No Chile, entretanto, a troca de poder tem sido frequente. Na verdade, opositores ganharam todas as últimas eleições, com nomes à direita sucedendo governantes de esquerda e vice-versa.
A questão é saber se Kast migrou para o centro de fato, como se posicionou na campanha, ou se buscará as políticas conservadoras extremistas que propunha no início de sua carreira.
Pai de nove filhos, o candidato se diz mais católico do que político. Não apoiou a lei que criou o divórcio. É um veemente opositor do aborto, em qualquer situação, e contra o casamento gay. No histórico referendo de 1988, o então estudante de Direito votou pelo ‘sim’ – a manutenção do regime de exceção.
Seu irmão Miguel, nascido na Alemanha, foi um dos Chicago boys da equipe de Pinochet. Foi ministro e presidente do Banco Central.
“O dia 14 de dezembro será um plebiscito entre dois modelos de sociedade”, Kast disse no domingo à noite. “Um modelo – que é o liderado pelo atual governo, levou à estagnação, à violência e ao ódio – e o nosso, que fala livremente e promete esperança para o Chile. Esse é o nosso grande desafio: salvá-lo da violência e do ódio, sempre com respeito ao próximo.”











