“Eu vou fechar os olhos, e quando abri-los quero ver arranha-céus”. Don Draper, Mad Men, Episódio 505
A cada dez anos, as cidades brasileiras realizam uma revisão dos seus planejamentos urbanísticos, que resulta em um documento chamado Plano Diretor – lei que define as diretrizes para ocupação e uso do solo urbano. A partir deste marco, todas as demais leis urbanísticas que estabelecem parâmetros construtivos, como gabarito e tipo de uso (residencial, comercial, hoteleiro etc.), são desenvolvidas. Portanto, Planos Diretores têm impacto direto nas vidas das pessoas. Eles moldam o ambiente urbano que nos cerca.
No momento, os Planos Diretores estão em processo de revisão. Entre outras questões, uma das principais é a definição de quais regiões devem passar por maior adensamento populacional, ou seja, maior verticalização, maior número de pessoas morando e trabalhando, e quais regiões devem ser preservadas em sua forma atual, com parâmetros construtivos mais restritivos.
O aumento da verticalização de regiões centrais deve ser prioridade neste debate. Regiões centrais com incentivos para verticalização atraem maior produção de residências e comércio, o que leva ao aumento da densidade populacional e reduz a demanda para o crescimento nos bairros mais distantes. O adensamento das regiões centrais deve ser prioridade porque contribui diretamente para a proteção do meio ambiente. Uma cidade com baixa oferta de imóveis nas suas regiões centrais cresce para as periferias e destrói regiões ambientalmente mais frágeis.
Entretanto, muitos se opõem aos arranha-céus em seus bairros sob o argumento da falta de infraestrutura para suportar o crescimento do número de moradores e trabalhadores com transporte e saneamento, por exemplo. As regiões mais distantes têm infraestruturas ainda mais precárias, além de espaços verdes, rios e lagoas.
Vejamos o caso de São Paulo. Enquanto o centro estendido, que é delimitado pelas marginais Tietê (norte) e Pinheiros (oeste), e pelas avenidas Bandeirantes (sul) e Salim Farah Maluf (leste), mantem níveis de verticalização e adensamento relativamente baixos, a cidade continua a sua marcha ao sul em direção a represa Billings e ao norte em direção a Serra da Cantareira, ambas regiões sensíveis do ponto de vista ambiental e com infraestruturas precárias de transporte e saneamento.
No caso do Rio de Janeiro, enquanto as regiões central, incluindo a portuária, e norte seguem com reduzido adensamento, a cidade cresce em direção às Vargens, Recreio, e Guaratiba, regiões mais frágeis do ponto de vista ambiental e sem infraestrutura adequada para suportar o crescimento.
Associações de bairros e ONGs, supostamente bem-intencionadas, frequentemente defendem parâmetros de verticalização restritivos. A consequência é a destruição ambiental das beiras das cidades, maiores deslocamentos dentro da mancha urbana e maiores custos com infraestrutura.
Mas é importante não misturar a defesa do adensamento das regiões centrais com uma espécie de “vale-tudo” urbanístico. Regiões com importância histórica e cultural ou predominante horizontal, devem ser preservadas porque contribuem para melhorar o ambiente urbano através da diversidade e valor arquitetônico.
Ao contrário do que muitos pensam, as nossas grandes cidades são pouco densas. Enquanto São Paulo e Rio têm densidades de 8.100 e 5.500 habitantes por quilometro quadrado, Bogotá e Buenos Aires têm 17.800 e 15.000, e Nova Iorque e Paris têm 11.200 e 21.000, respectivamente.
Se avaliarmos a densidade de alguns dos bairros centrais, temos em São Paulo o Ipiranga com 10.200, e a Lapa com 6.600, e no Rio de Janeiro o Centro com 10.600, e São Cristóvão com 14.600. Todos os bairros com baixa densidade relativamente as suas posições geográficas centrais.
Na Europa, alguns países, como Áustria e Suíça, estabeleceram leis com metas de redução do crescimento da ocupação do solo fora das cidades, como parte de seus planos de preservação do meio-ambiente. Nova Iorque é referência em preservação ambiental por promover ativamente a verticalização de suas regiões centrais. Manhattan tem uma densidade de 28.900. O Upper East Side da ilha tem impressionantes 64.900 habitantes por quilometro quadrado.
Os projetos de revitalização dos nossos centros, como o Porto Maravilha e o Reviver Centro no Rio, e o Requalifica e o Projeto de Intervenção Urbana (PIU) do Centro de São Paulo, devem ser prioridades dos governos e reforçados nos Planos Diretores. Se as nossas cidades pretendem ser ambientalmente sustentáveis, nada mais importante que o adensamento das suas regiões centrais.
Felipe Góes é CEO da São Carlos, uma das principais companhias de investimento e administração de imóveis comerciais do Brasil.