Colocar um investidor que fez fortuna na Faria Lima em meio a um paraíso da natureza para desenvolver um projeto imobiliário tem tudo para ser a receita do desastre, com 100% de probabilidade de acerto.
Mas Julio Capua não é qualquer Faria Limer, e o projeto Carnaúba – de frente pro mar e ao lado das dunas de Jericoacoara – não é qualquer empreendimento imobiliário.
Está mais para um projeto de vida.
“Esse lugar tem uma energia inexplicável, que contagia qualquer um que vai lá,” diz Julio, que começou a frequentar o local quando ainda estava na XP, a empresa que fundou com Guilherme Benchimol nos idos de 2001.
Quando deixou a corretora em 2020, Julio foi procurar projetos: investiu no Rally dos Sertões e numa importadora de vinhos.
Mas Jeri bateu mais forte.
Sempre que ia lá praticar kite surf, os amigos reclamavam que não podiam levar as famílias porque as pousadas e hotéis locais tinham pouca infraestrutura, a maioria sem ar condicionado.
Julio começou a comprar terras na região para construir um condomínio de casas, mas a ficha logo caiu: plantar “casas de rico” no meio de uma região frágil (ambiental e socialmente) levaria Jericoacoara a ter o mesmo destino de outros paraísos que viraram infernos urbanísticos.
No fundo no fundo, o ponto de partida do Carnaúba é o que Jeri não quer se tornar.
Jeri não quer ser uma nova Angra dos Reis ou Itacaré, em que o crescimento desordenado criou favelas no entorno, realçando e perpetuando as feições da trágica desigualdade brasileira.
“Se você rodar a costa quase inteira do Brasil essa história se repete,” diz Julio. “A parte nobre das cidades é bem feita e planejada e tem hotéis e condomínios legais. Mas como ninguém se preocupa com o êxodo que aquele desenvolvimento vai gerar, o entorno cresce sem ordenação nenhuma.”
Julio levantou R$ 180 milhões junto a 60 investidores — a maioria atuais e ex-sócios da XP, executivos de venture capital e amigos que frequentam Jeri — e comprou 12 milhões de metros quadrados entre as vilas de Preá e Barrinha, do lado direito do Parque Nacional de Jericoacoara.
Olhando no mapa, a terra é um retângulo com 5 quilômetros de frente para o mar e 10 quilômetros de profundidade, terminando nas vizinhanças do aeroporto de Jeri.
A primeira fase do projeto é o condomínio de casas, chamado Vila Carnaúba, que terá dentro um hotel da Anantara. Mesmo sem um lançamento oficial, Julio já vendeu 40% dos 200 lotes. Os compradores, que pagaram cerca de R$ 1.500 o metro quadrado, poderão escolher entre 15 projetos. O custo final de uma casa ali fica entre R$ 3 milhões e R$ 8 milhões.
Mas o empreendimento inclui ainda vários produtos imobiliários e hoteleiros, que precisarão de até 15 anos para sair da prancheta.
A fase 2 é a construção do Carnaúba Wind House, um beach club cujo título de R$ 500.000 dá ao seu feliz proprietário o direito de se hospedar ali por dois meses do ano. (Fora da alta temporada, o hotel ficará aberto também para não associados.)
Em outra fase do projeto, Julio já assinou MOUs com as redes Nômade e Accor, e está em conversas com o Fasano e o hotel Janeiro, de Oskar Metsavaht.
Jeri ainda é uma vila rústica de pescadores, com ruas cobertas de areia que sopram incessantemente do mar. Mas nos últimos anos, a região se conectou ao mundo. Construído em 2018, o aeroporto de Jeri recebe voos diários de São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Campinas.
A infraestrutura para receber voos internacionais também já existe. A KLM planejava lançar um voo direto de Amsterdam em 2020, mas foi atropelada pela pandemia. A TAP avalia lançar um voo partindo de Lisboa.
Um dos sócios de Julio no projeto é o arquiteto Miguel Pinto Guimarães, cujo discurso daria orgulho à Marina Silva. “Quando tudo estiver construído, nosso objetivo é que pareça que a gente está lá há muito tempo. Nossa pegada tem que ser muito discreta e cuidadosa. Não podemos ‘chegar chegando’.”
Miguel comandou uma equipe que passou seis meses pesquisando os materiais e técnicas de construção usados na região, bem como os artesãos e fornecedores locais que serão integrados ao projeto.
“O Julio não quer que venha nada de São Paulo, do Sudeste ou do Sul,” disse Miguel, que usou sua pesquisa para criar um manual sobre os materiais e técnicas. O objetivo: orientar outros arquitetos que venham a trabalhar na região.
“A boa arquitetura é sustentável por si só, é integrada ao ambiente. Lá tem vilas de pescadores centenárias – temos que respeitar e dialogar com isso. E esse diálogo não é uma cópia, é uma interpretação dessa arquitetura com um design contemporâneo.”