Despedida, homenagem e promessa. Um modelo de luxo pode ser essas três coisas ao mesmo tempo?
Sim, quando se trata do Jaguar F-TYPE 75 Years.
O modelo — disponível por R$ 613 mil — é o último a combustão da marca de três quartos de século depois do lançamento do XK120, o primeiro esportivo com a assinatura Jaguar, após a fabricante inglesa ter mudado de nome em 1945: a antiga SS Cars era inevitavelmente associada à organização paramilitar nazista Schutzstaffel, a SS.
O F-TYPE 75 YEARS também representa uma aceleração em direção ao futuro. A Jaguar saltou à frente do banimento dos carros a gasolina pela União Europeia em 2035 e se tornará uma marca 100% elétrica já em 2025.
É fato que este Jaguar não é a única ‘novidade’ no universo dos velozes e furiosos. Nas últimas semanas, mostrei aqui no Brazil Journal outros dois modelos apresentados pelos seus fabricantes, com mais ou menos veemência, como “o último a combustão” de suas respectivas linhagens: o Honda Civic Type R e o Toyota GR Corolla.
No caso do Jaguar, essa veemência é total. Em um evento na pista do Circuito Panamericano, em Elias Fausto (SP), a marca iniciou a despedida do seu mais icônico esportivo do século 21 apresentando uma timeline começando lá em 1948, ano de introdução do XK120.
Você já deve ter visto, pelo menos em foto, um XK. Se for um pouco mais velho, talvez tenha até esbarrado nas ruas brasileiras em alguma das réplicas produzidas em São Paulo pela Americar, na era dos fora-de-série nacionais dos anos 80, quando a proibição das importações em nosso mercado fomentou uma indústria de esportivos de boutique feitos com poucos recursos e muita criatividade.
Fato é que o XK serviu de inspiração para brasileiros industriosos da era Sarney não à toa: o 120 é a parte mítica do nome. Primeiro supercarro digno desse nome no pós-Segunda Guerra, o XK trazia no batismo sua velocidade máxima de 120 milhas por hora. O primeiro carro de produção da história a ser capaz de ultrapassar 200 km/h.
A trajetória de esportivos da Jaguar seguiu ao longo de décadas com seus altos e baixos, e encontrou seu Everest em 1961, ano de introdução do E-Type, “o carro mais bonito de todos os tempos,” nas palavras de um de seus principais concorrentes: Enzo Ferrari.
Tamanha foi a sombra do E-Type – ícone máximo da Swinging London dos anos 60, e escolha de nomes de Paul McCartney a Austin Powers principalmente por este simbolismo – que a própria Jaguar, ao longo de suas combalidas décadas de 80 e 90, não encontrou a confiança para batizar os esportivos que vieram na sequência com a escolha alfabeticamente lógica: um “Tipo F”.
Daí o peso do significado do batismo do primeiro esportivo produzido pela marca inglesa após ser ressuscitada do abismo pela aquisição (junto da Land Rover) por parte do gigante conglomerado indiano Tata em 2014. O F-TYPE (assim mesmo, sempre em caixa alta) foi um enorme grito para o mundo de que a marca do Leaping Cat estava de volta – um grito que o próprio carro replicava, no ronco do escape apaixonante e quase que comicamente alto vindo do seu motor V6 de 3.0 litros. Imediatamente, o carro venceu praticamente todos os prêmios relevantes de melhor design daquele ano.
Mas isso foi há quase uma década, e o fato de que estamos agora dentro do cockpit de um carro que é praticamente idêntico ao apresentado em 2014 ilustra que a recuperação da Jag pela Tata não foi tão bem-sucedida assim.
Enquanto a irmã Land Rover, principalmente com sua submarca Range Rover, se consolidou no último decênio como o meio de transporte de rigueur entre os ultrarricos mundo afora, a marca do felino segue em busca de uma identidade.
Estética arrebatadora
O interior é familiar e recebeu poucos melhoramentos ao longo dos anos – o mais evidente foi a troca dos belos mostradores analógicos pela hoje inevitável tela de TFT – mas mesmo após quase 10 anos, o F-TYPE continua sendo um carro de estética arrebatadora. Principalmente com a capota abaixada.
Ainda nos boxes, dentro do interior revestido de um perfumado couro Tan (caramelo), retraio a capota e aciono o motor, já sabendo que encontrarei uma decepção. Sim: para chegar com um preço minimamente palatável em nosso mercado, as poucas unidades do 75 Years importadas para o Brasil trazem o competente (mas não exatamente empolgante) motor Ingenium P300 da Jaguar Land Rover, um quatro cilindros 2.0 que entrega 300 cv e bons 40,8 kgfm de torque, mas que, na prática, é o mesmíssimo motivador de carros que não carregam a missão inerente ao F-TYPE de emocionar na pista, como a Range Rover Evoque e Jaguar F-Pace.
Mesmo na Europa, o glorioso V6 3.0 não existe mais como opção, mas há versões da edição 75 anos com o V8 5.0 aspirado (450 cv) ou supercharged (575 cv), e também a possibilidade da carroceria cupê, que também não teremos por aqui.
Já no Circuito Panamericano, o F-TYPE mostra que, se falta algum fôlego em linha reta (a aceleração de 0 a 100 km/h vem em 5,9s, figura que é destroçada por carros como os comparativamente humildes Type R e GR Corolla), na hora das curvas o fato de ser um esportivo genuíno — com centro de gravidade baixo, peso relativamente reduzido e, principalmente, tração traseira — provoca mais sorrisos do que qualquer hatch médio anabolizado, para manter a comparação com os dois japoneses que apareceram por aqui recentemente.
O volante tem respostas rapidíssimas, e o F-TYPE mantém um acerto traseiro deliciosamente exagerado. Deslizar o derriére do carro nas apontadas de curva não é o jeito mais rápido – se você quiser os melhores tempos de volta nessa faixa de preço, compre um Porsche 718 Cayman ou Boxster – mas é, sem dúvida, a maneira mais divertida. Uma pena que o motor P300 não tem força suficiente para reproduzir essas hilariantes “rabeadas” destracionando também nas saídas de curva, coisa que o V8 5.0 tiraria de letra.
E, que diabos: que carro bonito. De todos os ângulos, principalmente nessa cor Giola Green, exclusiva da edição 75 anos. Se você tem os R$ 613 mil sobrando, compre. Mas não demore, pois serão apenas 12 unidades disponibilizadas para venda no Brasil.