Não se sabe se por conta do smartphone ou das redes sociais, o fato é que o número de jovens interessados em carros está em declínio já há algumas décadas.

Hoje, pouco mais de 20% dos norte-americanos tiram a carteira de motorista logo no primeiro ano após completarem os 16 mínimos. (Nos anos 80, eram quase 60%.)

Foi para essa tribo decrescente, que ainda aprecia o ato de dirigir, que a Toyota e a Honda acabam de lançar seus mimos de despedida de uma era, no momento em que a indústria automotiva segue inabalável rumo à eletrificação.

Caso a ficha ainda não tenha caído — especialmente entre alguns (muitos) entusiastas — eis o choque de realidade: Honda Civic Type-R e Toyota GR Corolla (ao lado do Volkswagen Golf R, que não teremos no Brasil) serão os últimos esportivos de alta performance lançados por marcas generalistas com motor 100% a combustão e câmbio manual.

Para usar uma expressão que a internet cansou à exaustão: estamos diante dos dois últimos esportivos “raiz” de todos os tempos. Os últimos dos moicanos.

Duvida? Observe.

A “nutellagem” dos câmbios automáticos já invadiu o segmento de esportivos premium faz tempo. Há anos já não é possível comprar no Brasil um Mercedes-AMG, BMW M ou um Audi RS com câmbios manuais, pelo mais “engenharia-alemã” dos motivos: os automáticos atuais, especialmente os chamados automatizados de dupla embreagem, proporcionam trocas significativamente mais rápidas do que qualquer manual, seja ele dirigido por você ou Lewis Hamilton.

O câmbio manual segue vivo, e seguirá ainda por mais alguns anos/gerações, somente em esportivos altamente exóticos e estratificados; carros dedicados aos mesmos puristas malucos que “sacam” Type-R e GR, mas com contas bancárias mais amplas: pense em Porsche 911 GT3 / 718 GT4, Mustangs Dark Horse e Shelby e os BMW M Competition. A própria Toyota só incluiu uma opção de manual em seu principal esportivo atual, o Supra, após muita choradeira desse pequeno e barulhento nicho no mercado americano.

Em resumo: as próximas gerações de carros como Type-R, GR Corolla e Golf R certamente incluirão algum tipo de eletrificação (seja total ou parcial, com motores híbridos) e dificilmente manterão a opção de câmbio manual.

Sorte para o consumidor brasileiro que, finalmente, as operações brasileiras de Honda e Toyota fizeram algo inédito em suas histórias por aqui, e conseguiram incluir o Brasil no mapa dos países que receberão em doses homeopáticas esses esportivos. Sorte parcial, porque a ênfase é no “homeopáticas”.

Mundialmente, serão apenas 9.999 unidades da versão única do Honda Civic Type-R, das quais apenas 100 serão destinadas ao Brasil. No caso do Toyota GR Corolla, a exclusividade é ainda maior: 6 mil carros para todo o globo, com meros 99 – todos com plaquinhas numeradas – vindo conhecer a nossa batucada.

Complicando ainda mais a vida dos entusiastas, apenas 20 modelos GR serão da versão “de entrada” de R$ 417 mil, a Core. As outras 79 serão da Circuit, que adiciona teto de fibra de carbono, assistências de direção, head-up display e carregador de celular por indução por inacreditáveis R$ 45 mil, chegando a R$ 461.990 no total.

Pior: enquanto o Honda se beneficia de ser baseado em uma geração do Civic que acaba de ser lançada, o Toyota é construído em cima da plataforma do Corolla que se despede a partir do ano que vem, e está no mercado desde 2018.

Se o interior do Type-R não faz jus a um carro de mais de R$ 400 mil, o do GR chega a ser constrangedoramente simples, praticamente o mesmo de um Uber Black no aeroporto de Guarulhos acrescentado de (excelentes) bancos esportivos, mas com um multimídia bem fraco (que mais parece ter saído da Santa Efigênia). Segundo a Toyota do Brasil, o original do carro não atendia às exigências de banda da Anatel e teve de ser substituído por um genérico.

Nada disso importa, porém, assim que o botão de partida de ambos os carros é acionado.

Honda Civic Type-R x Toyota GR Corolla

Dirigi o Type-R na Estrada dos Romeiros, destino clássico de final de semana para entusiastas paulistanos, e o GR Corolla na pista de testes da fábrica da Toyota, em Sorocaba, por longos períodos e sem nenhum tipo de amarras em um intervalo de apenas 72 horas entre os dois. Um comparativo quase-direto foi possível — e inevitável.

Ambos são máquinas de produzir sorrisos, carros em que você realmente é chamado a dirigir, e não procurar o próximo podcast na sua playlist do Spotify.

Os volantes possuem ação diretíssima e linear, os câmbios, ambos de seis marchas, têm engates curtíssimos e precisos e, quando o pé da direita pesa, a paisagem passa de 0 a 100 km/h em menos de 5 segundos. Mantenha o pé lá embaixo, e as máximas chegam a 224 km/h no Toyota (figura que parece conservadora; na reta curta de Sorocaba, chegamos a 216 km/h e o carro ainda vinha “crescendo” com fôlego considerável) e impressionantes 275 km/h no Honda.

Semelhança nos números à parte, ambos estão longes de serem idênticos em temperamento. O Honda traz motor 2.0 de quatro cilindros e 297 cv, enquanto o Toyota tem um tricilíndrico de apenas 1.6 litros e 304 cavalinhos – sim, a Toyota extraiu mais potência de um motor com capacidade 20% menor.

Isso se reflete na personalidade do carro: o GR é mais “frenético”, mais elétrico nas mãos do motorista, coisa que o entreeixos mais curto ajuda a explicar. Já o Type-R é mais “maduro”, na medida em que se pode usar essa palavra para descrever um carro com bancos, carpetes e tapetes interiores totalmente vermelhos.

Qual o melhor? Questão de gosto. Pela base de um Civic “fresco” vs. a de um Corolla já “cansado”, o Type-R entrega mais como carro em si – refinamento ao rodar, isolamento acústico, qualidade do interior, multimídia moderno. É também, para o gosto deste escriba, mais bonito.

Porém-todavia-entretanto-contudo, somente o GR Corolla tem a possibilidade de se tornar um carro com comportamento realmente traseiro, quando a tração integral GR-Four é colocada no modo 30:70 (também é possível manter 60% da potência no eixo dianteiro, para o uso cotidiano, ou dividi-la em 50:50 no modo Track). O Type-R está sempre “condenado” à tração totalmente dianteira. E isso, para alguns entusiastas, fará toda a diferença a favor do Toyota.

Finalmente, se você chegou até aqui mesmo considerando delirante a ideia de Civics (R$ 429.900) e Corollas (R$ 416.990) a preços de Mercedes-AMG A 35, tudo bem: não compre nenhum dos últimos moicanos. Mais nos sobrarão.

GR Corolla