Com pouco mais que uma conta de Instagram e uma lista de email, um grupo de empreendedores está construindo uma marca digital para bater de frente com as Naturas e os Boticários do Brasil.

A fórmula da Sallve: ouvir muito o consumidor e mantê-lo engajado com conteúdo.

A marca nem sequer lançou oficialmente seu primeiro produto, mas já tem 200 mil consumidoras cadastradas (que se dispuseram a responder um longo questionário sobre cuidados com a pele), além de 87 mil seguidores no Instagram.

Há 10 dias, ao fazer a pré-venda de seu primeiro produto, um ‘antioxidante hidratante’, a startup vendeu 5 mil unidades em menos de 12 horas. 

Por trás da Sallve está Julia Petit, uma das maiores autoridades nas redes sociais quando o assunto é beleza. 

10710 9294dee9 c744 a2ca 44eb b75bc822cea0Publicitária ‘de nascimento’ — seu pai, Francesc, foi um dos fundadores da DPZ — Julia já era uma ‘influencer’ quando o termo sequer havia sido cunhado: foi pioneira nos vídeos e tutoriais de maquiagem na Internet com seu site Petiscos, e hoje acumula mais de 500 mil seguidores no Instagram.  

Seu sócio, Daniel Wjuniski, é um especialista em growth hacking: criou o Portal Minha Vida, uma rede de sites voltados para saúde e bem-estar com mais de 22 milhões de usuários únicos/mês, vendido para os franceses do Webedia em 2017. (Você com certeza já entrou no Minha Vida ao pesquisar alguma doença ou sintoma no Google.) 

Juliana Shor, que já trabalhou no desenvolvimento de produtos do Boticário, L’Oréal e Hypermarcas, completa o time de fundadores junto com Marcia Netto, que foi sócia de Daniel no Minha Vida. 

Nascida na Internet há apenas cinco meses, a Sallve está tentando desbravar uma vertente que se tornou um berçário de unicórnios nos Estados Unidos: o mercado de direct-to-consumer.

Num mundo em que a digitalização torna as barreiras de entrada cada vez menores, o modelo de negócios da Sallve corta intermediários e gera leads mais específicos, sem a necessidade de gastar um caminhão de dinheiro em publicidade.

A Sallve bebeu na fonte de empresas como a Dollar Shave Club, a startup de lâminas de barbear que arranhou as vendas da Gillette nos Estados Unidos e foi comprada pela Unilever por US$ 1 bilhão.

As gestoras brasileiras Astella e Canary deram o capital semente necessário para o desenvolvimento e o go to market dos primeiros produtos. 

A Sallve está começando pelo skincare, um nicho pouco explorado pelas grandes marcas nacionais. O Brasil é o quarto maior mercado mundial de cosméticos, mas ainda ocupa a oitava posição quando o assunto é cuidado com a pele. O brasileiro, por outro lado, é o público mais influenciado do mundo pelas redes sociais quando se trata de produtos de beleza.

A proposta da startup é trazer a mesma performance dos dermocosméticos importados, mas com o preço em linha com as marcas de venda direta no Brasil – o que é possível, em grande parte, pela eliminação dos intermediários no processo de venda. 

O hidratante que começará a ser vendido oficialmente na próxima semana sai por R$ 89,90 a unidade. (A título de comparação: o gel antissinais da linha Chronos da Natura custa R$ 102,90). 

Mais oito produtos devem ser lançados até o fim do ano. 

O alquimista da Sallve é Carlos Praes, um químico que já trabalhou no desenvolvimento de produtos para Boticário e Avon e foi contratado como consultor. 

Para desenvolver os produtos, a Sallve produz o que chama de ‘collabs’ — mesas-redondas para ouvir as principais dores e necessidades dos consumidores.  Essas collabs são feitas com influenciadores especialistas no tema, que trazem para a discussão os membros mais engajados da sua audiência — e, de quebra, espalham o nome da Sallve nas redes sociais.

Para criar seu primeiro produto, a Sallve também enviou um questionário a mais de 10 mil pessoas e acompanha ativamente as conversas nas redes sociais.

Os posts da Sallve e os influenciadores que são contratados pela marca falam mais sobre temas como cuidado com a pele, sustentabilidade e inclusão do que sobre o produto em si.  “A distância entre as marcas tradicionais e o consumidor é gigante. E nos últimos anos elas deixaram de falar de marca para falar de produto”, diz Julia. 

Outra aposta da marca: autenticidade. A Sallve já nasce utilizando modelos de todos as idades, raças e tipos de corpo. Em comum, apenas a pele reluzente — mas ainda assim, ‘vida real’, com sardas, manchinhas e rugas.

Um dos produtos em desenvolvimento é um protetor solar para todos os tipos e tons de pele, que não deixa esbranquiçada a pele negra. Uma das queixas constatadas nas collabs é a de que os protetores tradicionais acabam ‘acinzentando’ as peles mais escuras. 

A fabricação é feita em plantas terceirizadas — as chamadas ‘white labels’ — e a distribuição fica a cargo de uma firma contratada.

“Nosso negócio é o desenvolvimento do produto, a propriedade intelectual e o conteúdo”, diz Daniel. “Hoje tem uma democratização de meios de produção, de canal de distribuição e comunicação. A empresa que estamos criando não existiria 10 anos atrás.”

Apesar de nascida no digital, a Sallve não pretende ficar só no ecommerce e já tem planos de ter lojas próprias.

A ambição é tão grande quanto o desafio. O ‘sonho grande’ da Sallve? “Ser a maior marca de cosméticos do Brasil”, diz Daniel. 

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UPDATE:  Menos de um ano após o lançamento da marca, a Sallve enfrentou sua primeira crise. Em outubro, a empresa anunciou o recall do esfoliante enzimático, um de seus três produtos. As embalagens de alguns lotes começaram a inflar, sugerindo a contaminação por bactérias ao longo do processo de produção. A Sallve lançou uma campanha para que todas as consumidoras devolvessem o produto. Desde então, a empresa não fez nenhum outro lançamento.