Os minoritários da Smiles estão inconsoláveis, mas, até agora, o maior prejudicado com a decisão da GOL de rever sua relação com a Smiles talvez seja o próprio Constantino Oliveira, o controlador direto da primeira e indireto da segunda.

Depois de cinco meses de estudos e negociações, a GOL anunciou hoje o fim das conversas com o comitê independente que representa os minoritários da Smiles, sem que as partes chegassem a um acordo.

A queda de braço já fez a Smiles perder R$5-6 bilhões em valor de mercado; como a GOL tem metade do negócio, ela já viu cerca de R$ 3 bilhões evaporar na parte que lhe toca — sem falar na perda de executivos, credibilidade e respeito no mercado de capitais.

Ao anunciar que não renovaria seu contrato com a Smiles (13 anos antes do vencimento), a GOL disse que as condições de mercado haviam mudado com a decisão da Latam de incorporar a Multiplus.  Mas a explicação oficial não colou com o mercado, que interpretou o movimento como uma tentativa da GOL de derrubar o valor de mercado da empresa para incorporá-la a preço de banana. 

Mas, no meio do caminho, havia um comitê independente de acionistas.

Segundo pessoas próximas às discussões, na opinião do comitê só dava para fazer negócio se a GOL avaliasse a ação da Smiles ao redor de R$ 90.  Neste preço, a Smiles teria um valor de mercado de R$ 11,5 bilhões.  Ou a Gol teria que gastar R$ 5,5 bi para comprar a parte dos minoritários, ou a família Constantino teria que ser diluída na operação. (Talvez um misto de dinheiro e ações fosse a melhor solução.)

O comitê independente mostrou que a Smiles tinha um plano de negócios, uma execução de primeira linha e um histórico de entrega — que continua, apesar dos percalços.

Com a mudança de postura da GOL, a Smiles começou a sangrar capital humano.  Perdeu o CEO, Leonel Andrade; o diretor comercial, Carlos Mauad (que se tornou CEO do Banco Carrefour) e — desde a mudança na política de dividendos, que serviu de prefácio para a crise atual — perdeu três membros do conselho: Marcos Grodetsky, Boanerges Ramos Freire e Cassio Casseb.

Nenhum deles engoliu a transação.

Além disso, sempre que o calo apertava, a GOL conseguia acessar o caixa da Smiles fazendo antecipação de venda de passagens, com o consentimento dos minoritários.  Daqui pra frente, este consentimento provavelmente não existe mais.

Pelo menos no papel, a Smiles é uma empresa com um futuro promissor.  Tem um contrato com a GOL que vigora até 2032, parcerias sólidas com bancos, outras companhias aéreas e parceiros de varejo, além de um caixa enorme (que não pode ser usado pela GOL sem a aprovação dos independentes).  Detalhe: ao contrário de alguns conselhos, os ‘independentes’ da Smiles são realmente independentes, ou seja, é improvável que a GOL consiga trocá-los. 

Mas, na prática, a Smiles não terá futuro se não diminuir rapidamente sua dependência da GOL, oferecendo novas possibilidades de resgate de milhas.  

Hoje, essa dependência se dá apenas no lado do resgate (60% das milhas são resgatadas em passagens na GOL), já que, do lado do acúmulo (que gera a receita), 95% do pontos são acumulados fora da GOL.

O plano de se tornar uma empresa de turismo, articulado há anos, seria a saída mais lógica.  Mas é improvável que o management atual, subordinado diretamente à GOL, tenha a latitude necessária para trabalhar.

Nas contas de analistas, a Smiles deve gerar um lucro líquido de R$ 700 milhões este ano, o que coloca o papel num ‘dividend yield’ exuberante, e tem como continuar gerando muito caixa nos próximos anos.

Dificilmente, no entanto, vai recuperar seu valor de mercado, já que os investidores provavelmente demorarão duas encarnações para confiar no controlador.

O que nos traz de volta a Constantino.  

Em 2012, ele precisava de dinheiro e viu que era dono de um ativo com um valor não reconhecido. Fez o IPO da Smiles e viu o ativo performar melhor do que suas melhores expectativas.  No ano passado, ao ver que a Aeroplan (um benchmark para o setor) e a Multiplus sairiam da Bolsa, decidiu reaver a Smiles.  Mas a empresa que fora vendida no IPO a R$ 2,6 bi já valia R$ 11 bi.

O argumento de que a Smiles deveria estar dentro da GOL “porque no mundo todo é assim” tem seus méritos, mas não é uma verdade absoluta.  Separada da GOL, a Smiles desabrochou como empresa, jorrou caixa e criou muito mais valor do que teria criado dentro da GOL.  Dentro de uma grande organização, perde-se foco, agilidade e ganha-se distração e rigidez.

Considerando tudo isso, é difícil entender por que Constantino mexeu num time que estava ganhando. A GOL vive um momento operacional excepcional.  A gestão Kakinoff conquistou liderança de mercado e afastou o risco de quebra (que acontecia sempre que o dólar batia R$ 4).  De bônus, a empresa ainda se beneficia agora de um ambiente regulatório e concorrencial cada vez mais favorável. 

Apesar do capítulo de hoje, a briga com os minoritários provavelmente ainda não acabou, e o risco aqui é que a GOL tente depreciar o ativo para lançar uma oferta pública a preços de promoção de passagem áerea.  Num comunicado ao mercado, a Smiles disse que vai trabalhar na “revisão de seu planejamento estratégico.”  

Tomara que isto não se transforme num Game of Thrones, em que a cada episódio um lado tenta esfaquear ou asfixiar o outro.