A chegada do fundo — que tem capital de US$ 5 bi — injetou otimismo em toda a cadeia de venture capital, aumentando a liquidez do mercado e as perspectivas de saída para outros investidores, além de poupar os empreendedores locais de buscar as grandes rodadas de captação — séries B e C, no jargão da indústria — fora do Brasil.
André Maciel, um dos managing investment partners do Softbank, falou com o Brazil Journal sobre a estratégia de investimentos.
André deixou uma carreira de 17 anos no JP Morgan para montar um fundo de private equity late-stage com Paulo Passoni, seu amigo de longa data que trabalhou anos no Third Point.
Apresentados por um amigo a Marcelo Claure, o homem-forte de Masayoshi Son, os dois foram ao seu encontro pensando em levantar algum dinheiro com o Softbank.
Saíram de lá sem um real para o fundo, mas com uma proposta irrecusável: Claure queria que eles ajudassem a gerir o fundo de US$ 5 bilhões que o Softbank estava preparando para a América Latina.
Passoni e Maciel são os únicos brasileiros com status de managing investment partner no grupo. Além deles, são responsáveis pelo fundo latino-americano Andy Freire, ex-ministro da tecnologia da Argentina, que fica baseado em Buenos Aires, e Shu Nyatta e Murtaza Ahmed, dois executivos que já estavam no Softbank e foram escalados para tocar a nova empreitada.
É muito difícil para o investidor tradicional entender porque vocês investem em empresas que não dão lucro. Qual a estratégia?
Outro dia um cara veio fazer essa piada: “Ah, vocês só investem no que não dá lucro”. Confesso que fiquei meio puto. [risos] Mas é o seguinte: o método tradicional de valuation é o fluxo de caixa descontado.
A pergunta correta é: quantas empresas que estão na Bolsa vão existir daqui a 15 anos?
Você não acha que o mercado financeiro, o mercado de aluguel de imóveis, por exemplo, vão mudar completamente daqui a 15 anos? Você acha que as empresas de pagamento vão continuar cobrando comissão de 4%?
Eu sei que temos um monte de empresas que não tem lucro nos próximos três, quatro, cinco anos… Mas se ela tiver uma chance de razoável de ter um grande valor lá na frente, é esse tipo de empresa que procuramos.
Você já deve ter ouvido a crítica de que o Softbank pode acabar distorcendo os preços no mercado de venture capital. O que acha disso?
Não tem um investidor que acerta todas e certamente vamos fazer o nosso fair share de erros. Mas os números estão aí. O Vision Fund I do Softbank teve um retorno de 54% de IRR [taxa interna de retorno]. É espetacular!
Vamos supor que enxergamos uma oportunidade numa companhia de US$ 15 bi. Se pagarmos US$ 500 milhões ou US$ 750 milhões para acelerar os planos, não faz tanta diferença. E tem a questão da diluição de quem já está na empresa, que é um dos principais pontos em venture capital. Se você não deixar o controlador com 30%, 40%, como motiva o time, dá ações para a turma? Se não sobra nada, como o cara vai conseguir trabalhar?
Na América Latina e no Brasil, onde os mercados não são tão líquidos quanto no Vale do Silício ou na Europa, essa crítica não seria ainda mais pertinente? O efeito de um fundo do tamanho do Softbank Latin America não pode ser mais distorsivo do que em outros lugares?
Acho que sim. Mas pega uma empresa que eu gosto muito, que é a Stone, que hoje vale US$ 11,6 bi. Ajudei a levantar capital para a Stone quando eu trabalhava no JP Morgan. Era uma rodada privada e naquele momento a empresa valia US$ 1,5 bi.
Faria diferença se você tivesse pago US$ 1,5 bi ou US$ 1,75 bi? Se você investir para criar empresas de US$ 10 bi, como é a nossa teoria, acelerando plano de crescimento, faz pouca diferença.
Sua teoria é criar empresas que valham US$ 10 bi?
Vocês ainda estão na fase de investimento. Mas qual o caminho mais provável para a saída destes investimentos: via Bolsa brasileira, lá fora, ou via investidor estratégico?
Sou um grande fã de tentar fazer o negócio ficar mais doméstico do que internacional, de termos a opção do investidor aqui no Brasil estar exposto a tecnologia. Vou te dar uma estatística: em 1964, as empresas ficavam 33 anos no S&P 500. Em 2016, esse tempo tinha caído para 24 anos. A expectativa é que, em 2027, caia para 12.
Os líderes na Bolsa brasileira são os mesmos há quanto tempo? Tem que ter uma renovação natural, empresas novas que ganhem espaço das antigas, novas empresas que sejam estrelas. A gente precisa dar um jeito de ter um acesso, precisa ser feito um trabalho para tentar trazer as empresas para cá também.
Esse fenômeno aconteceu na China: quando o mercado de tech explodiu, 60%, 70% das listagens eram feitas na Nasdaq ou na NYSE. E as empresas voltaram para a China. A maior parte dos IPOs tem acontecido no mercado local e tem um novo mercado, chamado Star, justamente para as empresas de tecnologia.
Mas você acha que isso vai acontecer naturalmente no Brasil, com o desenvolvimento do mercado de VCs?
Vocês têm fintechs e empresas de mobilidade aqui no Brasil. Que outros setores estão olhando?
A indústria que eu mais gosto é healthcare, queremos achar uma target legal para fazer algo nesse nicho — mas até agora não encontramos. É um mercado muito grande e mal servido.
O Softbank é investidor minoritário de uma empresa chinesa chamada Ping An Good Doctor, que atende 300 milhões de pessoas com mil médicos. A consulta é feita de forma remota e o paciente vai descrevendo seus problemas. Nessa escala, a consulta é quase gratuita, com um valor muito baixo.
Os dados — sejam na forma de voz, de texto — são capturados por inteligência artificial e eles conseguem ver quando em alguma região da China está tendo algum tipo de epidemia, ou uma incidência maior de certa doença. No caso do diagnóstico que não pode ser feito remotamente, o sistema te indica para um médico, já te encaixa no horário certinho. Imagina isso no Brasil, que sofre da mesma carência de médicos e de acesso a serviços de saúde em geral!
Mas por enquanto tem pouca oferta de empresas-alvo, a mesma coisa em seguros, que é um setor que a gente olha. Estamos olhando o setor imobiliário também.