Nove entre dez gestoras de ações brasileiras estão focadas naquele nicho minúsculo e pouco desenvolvido do mercado global conhecido como… a Bolsa brasileira.

A Arbor Capital não é uma delas.

A gestora do Leblon é uma das poucas casas focadas em garimpar ações em bolsas globais, de Nova York a Hong Kong.

11162 a07928d8 b624 2ac8 ed4d 446900e754db“Nunca fez sentido pra mim só investir no Brasil,” diz Leonardo Otero, o sócio fundador. “Queremos encontrar empresas que estão inseridas em tendências inevitáveis e que sejam de alto crescimento, não dá pra ficar limitado a 400 companhias.”

Otero fundou a Arbor em 2014 com dois amigos, João Valladares e Patrick Farmer, quando os três tinham 25 anos.

A Arbor tem apenas R$ 100 milhões sob gestão — de family & friends — e agora está conversando com multifamily offices para levantar capital externo.

O portfólio é dividido em 20 ações, a maioria de empresas nos Estados Unidos e Ásia. Desde seu início, a Arbor bate todos os benchmarks — CDI, IPCA+6% e o MSCI World — em todas as janelas de tempo. O fundo já multiplicou o capital por 3,5x.

Otero conversou com o Brazil Journal sobre as principais posições do fundo, nomes como Sea Group, Spotify, JD.com e até uma small cap canadense. Ele falou também de sua visão sobre o Banco Inter.

A maior posição de vocês é a Sea Group, uma empresa com sede em Hong Kong. O que ela faz e por que estão investindo?

Essa é a nossa maior posição e foi também a maior contribuidora para o resultado do fundo. Normalmente é muito difícil encontrar uma empresa que o mercado enxergue perspectivas impressionantes mas que ao mesmo tempo esteja mal precificada. Investimos na Sea em 2018, quando a ação estava em US$ 12. Hoje, está em US$ 150. Multiplicou por 12 em dois anos.

E por que isso aconteceu? A Sea tem dois segmentos: um ecommerce 3P, semelhante ao Mercado Livre, e uma distribuidora e desenvolvedora de videogames. Há alguns anos, ela tem exclusividade de publicação dos jogos da Tencent no sudeste da Ásia. Quando investimos em 2018, ela estava começando a ter sucesso com desenvolvimento próprio. E o ecommerce dela, o Shopee, ainda não gerava receita. O playbook era: crescer ao máximo o número de usuários, focar em engajamento, para só depois monetizar esse engajamento.

Quando o mercado olhava o resultado da Sea em 2018, o business de ecommerce quase não gerava receita, então o mercado passava por cima. Ao mesmo tempo, como ela estava crescendo muito (já tinha US$ 10 bi de GMV), tinha muita despesa associada, como o custo de logística.

Então a fotografia era de uma empresa que dava muito prejuízo, porque um segmento só tinha despesas e o outro estava mudando de distribuidora de games para desenvolvedora.

O que vocês viram na época que o mercado não estava vendo?

Do lado do ecommerce, vimos que eles faziam US$ 10 bi de GMV e era muito claro que eventualmente o mercado atribuiria muito valor a esse negócio. E aconteceu: hoje em dia, ele é disparado o maior ecommerce do sudeste asiático, uma região de 600 milhões de pessoas. Todo trimestre eles crescem mais que o Alibaba e ganham market share.

E no segmento de games eles lançaram o Free Fire, hoje um dos jogos com mais jogadores ativos no mundo, mais de 500 milhões de pessoas.

O que a gente pensou na época foi: ecommerce é um negócio de escala, quando o cara está grande ele monetiza. Não tínhamos nenhuma preocupação que o Shopee ia valer muito dinheiro. E do lado da Garena, que é o estúdio de games, ela tinha lançado um jogo blockbuster, mas ainda não estavam monetizando. Fast forward pra hoje: o EBITDA da Garena no último trimestre foi 3x maior do que a receita que ela teve no mesmo trimestre de 2018. Só o Free Fire vai gerar mais de US$ 2 bi de receita este ano. O negócio explodiu.

E do lado do Shopee, ele hoje é maior do que o Mercado Livre, em termos de GMV. Outro ponto que nos dava confiança era que a Tencent — que é talvez o maior negócio de consumer internet do mundo — tinha 25% da empresa. Então, a Sea atacando ecommerce e games com a Tencent por trás e numa região tão propícia para a economia digital pra gente era uma fórmula de sucesso.

Você falou que a ação estava mal precificada. Você quis dizer lá atrás a US$ 12 ou agora a US$ 150?

A US$ 12 era a oportunidade de uma vida. Era ridículo. Hoje em dia, continua sendo nossa maior posição, porque quando pensamos em economia digital pensamos em ecommerce, on-demand apps (os Rappi e iFood da vida), games e fintechs. E qual o próximo movimento da Sea? Da mesma forma que o Mercado Livre está investindo no Mercado Pago, a Sea está investindo no Sea Money. Esses ecommerce eventualmente vão virar fintechs.

Qual o múltiplo desse papel hoje?

A gente olha o EV/Receitas. E nessa métrica está em 10x para 2021. Isso é menos que o Mercado Livre, que negocia a umas 12x, 13x a receita.

Vocês têm uma posição grande em Spotify. Qual a tese?

O Spotify é um case de facilidade de uso: tem experiência melhor do que ter todas as músicas do mundo na sua mão? Quando você olha o que está acontecendo no mercado todo o consumo de música está indo para essas plataformas.

Hoje, o Spotify tem 300 milhões de usuários ativos por mês. Desses,  138 milhões são os usuários premium, aqueles que pagam. Achamos que o mercado endereçável é, no mínimo, 3 bilhões de pessoas. Música é um hábito universal e nesse mercado já estou tirando pessoas que não tem acesso a smartphone. Ou seja, o Spotify tem um caminho aberto para transformar esses 300 mi em 3 bi.

Outro ponto é que menos da metade dos usuários mensais são assinantes. Então, tem duas tendências de crescimento: uma, crescer a base de usuários ativos mensais; e a outra, crescer os assinantes. Qual o funil de conversão do Spotify? Normalmente ele traz as pessoas para o modelo free, que tem propaganda, e depois converte em assinantes. Então, a ideia é que os usuários cheguem a 1,5 bi, e que eventualmente a maioria desses usuários sejam convertidos em premium.

O Spotify já fez algum aumento de preços desde que surgiu?

Ele já testou alguns aumentos de preços pontuais, mas por enquanto a estratégia não é de aumentar preços. Eles querem colocar o mundo todo na plataforma, antes de exercer poder de preço. Estão seguindo aquele modelo conceitual de consumer internet: focam muito mais em ter o máximo de usuários engajados na plataforma para depois monetizar. O que vemos hoje no Spotify na verdade é o contrário: uma queda de preços, porque conforme ele entra em mercados emergentes e na Ásia, o preço em dólar é mais baixo do que ele cobra na Europa e nos EUA.

Tem alguma região em que ele não está ainda?

Ele não está na China e nunca vai estar porque é um mercado fechado. Mas o Spotify tem 9% da Tencent Music, que seria o equivalente dele na China, e a Tencent Music tem participação cruzado do Spotify. Eles estão entrando em outros mercados e a ideia é estar em todo o mundo em breve.

Quais são os múltiplos?

Temos uma visão diferente do mercado. Normalmente, o mercado acha que todas as plataformas (Apple Music, Amazon Music, Youtube Music, etc) têm as mesmas músicas e, por isso, enxerga que esse é um negócio de commodity e atribue um múltiplo baixo de receita. Hoje, o Spotify negocia a mais ou menos 4x a receita para 2021. Mas como ele tem uma participação relevante na Tencent Music, se você ajustar essa participação ele estaria negociando a mais ou menos 3,5x receita. Esse múltiplo, levando em conta o potencial gigantesco de crescimento, é muito baixo. Está implícito nesse múltiplo que esse vai ser um negócio de margens baixas.

A gente discorda. O Spotify está investindo muito em podcasts. Com podcasts ele segue o mesmo caminho do Netflix e passa a ter conteúdo exclusivo. Com conteúdo exclusivo, o mercado vai deixar de ver ele como uma empresa de commodity e vai passar a ver como uma companhia que de fato tem propriedade intelectual.

O Spotify está adquirindo podcasts estabelecidos ou criando in house?

Ele está fazendo tudo. Comprou algumas empresas, podcasts, fez um deal de exclusividade com o Joe Rogan, que é um dos maiores podcasters do mundo. Nós achamos que o consumo vai deixar de ser tanto de música e vai mais para áudio como um todo. Quando isso acontecer, a margem bruta do Spotify vai ser muito beneficiada.

Como funciona a margem bruta hoje, de forma resumida? Se ele cobra US$ 1 do usuário, ele repassa US$ 0,65 para as gravadoras. Se o usuário paga US$ 1, mas 30% do tempo dele é gasto escutando podcast, teoricamente o Spotify teria que pagar para as gravadoras 70% desses US$ 0,65, não 100%, porque o cliente está consumindo outro tipo de áudio. Mas como as gravadoras ainda são muito fortes no setor, elas não permitem isso. A nossa tese é que o poder da indústria eventualmente vai mudar das gravadoras para o Spotify. E como o Spotify está verticalizando — com esses deals de exclusividade e compra de podcasts — ele vai ter uma margem muito melhor nesse negócio.

Você não acha que Amazon e Apple Music são canibalizadores do Spotify?

Sem dúvida. As Big Techs estão em todos os mercados e preocupam. Mas a Apple Music está basicamente em celulares Apple. O Spotify também é forte em devices Apple, mas nos Android ele praticamente não compete com a Apple Music. E o mundo é 85% Android. Já a Amazon Music é o terceiro colocado. Temos que acompanhar, mas por enquanto o Spotify está outperformando a indústria: adiciona mais usuários que os concorrentes e tem o dobro do engajamento por usúario.

Outra posição de vocês é a JD.com. Explica o que eles fazem e por que decidiram investir.

A JD é um ecommerce que metade é marketplace e metade é 1P. Ela é similar a Magalu, mas não tem nada offline, é puro sangue digital. O principal valor da JD foi nunca vender produtos falsos, porque a China tem muita falsificação. E ela sempre priorizou a qualidade e o tempo de entrega. O fundador da JD começou com uma loja de eletrônicos numa espécie de camelódromo (hoje um polo de inovação). Quando teve a epidemia do SARS, que ninguém podia sair de casa na China, ele viu que se não lançasse um business de internet ia quebrar. Então, pivotou o negócio e virou um ecommerce. Essa empresa é muito interessante, mas muito ofuscada pelo Alibaba. Todo mundo fala muito do Alibaba, mas, principalmente nos últimos anos, ela tem ganho muito share do Alibaba.

Qual a diferença entre JD e Alibaba?

Os dois são ecommerces. A diferença é a fidelidade do cliente. A JD é muito mais indexada as cidades mais ricas e o seu modelo é mais semelhante ao da Amazon do que o Alibaba, porque a JD é praticamente toda verticalizada. Desde o início eles decidiram fazer a entrega por conta própria. Hoje, a JD Logistics faz praticamente todas as suas entregas. O foco da JD sempre foi entregar rápido, ter a logística certa… é um caminho um pouco mais asset heavy do ecommerce e o mercado normalmente prefere o que é asset light porque é mais rentável. Mas a gente acha que logística e ecommerce são praticamente sinônimos.

Imagino que a JD tenha um desconto grande em relação à Amazon apesar de estar indo pelo mesmo caminho…

Muito. Na Amazon, o que distorce um pouco a conta é a AWS, que o mercado atribui muito valor. Então fica difícil saber o quanto o mercado está pagando só pelo ecommerce. Mas a JD negocia a menos de 1x a receita. Como exemplo, a Via Varejo, que muita gente fala que está de graça, negocia a 1,3x. A JD é sem sombra de dúvidas o ecommerce mais barato do mundo. E quando olhamos isso a gente acha muito assimétrico. Esse cara está num mercado gigantesco e já é muito grande, no ano que vem ele vai gerar uma receita de quase US$ 120 bilhões. Sem dúvida é um dos vencedores do mercado chinês, e os investidores pagam um múltiplo baixíssimo.

Falando um pouco de ecommerce no Brasil, o Banco Inter está tentando ir por esse caminho. Você concorda com essa tese de que ele está criando massa crítica para conseguir monetizar mais à frente?

Eles estão indo para o caminho da Ant Financial, de criar o super app do Brasil. Eles querem deixar de ser só um banco e virar um canivete suíço, vender de tudo. Eu acho que a estratégia faz muito sentido, acho que o mercado endereçável é gigante, e acho que o custo de aquisição de clientes deles é muito baixo, então a estratégia está funcionando. Mas eu não invisto no Banco Inter porque eu tenho um pouco de receio com um aspecto: toda a proposta de valor deles gira em torno de não cobrar do consumidor. Como você monetiza um ativo que a proposta de valor é não cobrar? Meu medo com o Banco Inter é esse: a capacidade de monetização dos usuários. Mas eu sou otimista com a estratégia de crescimento… eles já estão tendo sucesso.

Vocês têm também um fundo exclusivo que investe só na theScore, uma small cap canadense. Qual a tese?

Ela está entrando no mercado de apostas esportivas, que foi legalizado em 2018 nos Estados Unidos. Hoje, eles são o único player de mídia com um sports book próprio. E esse cara tem o segundo maior aplicativo dedicado a esportes nos EUA e no Canadá. Em número de usuários mensais ele só fica atrás da ESPN.

Ela tem um modelo parecido com o da DraftKings?

Sim. A DraftKings provavelmente vai ser a líder do setor e vale US$ 15 bi hoje; a theScore vale só US$ 200 milhões. Nossa tese é que a theScore vai conseguir competir com a DraftKings. Provavelmente nunca vai ser tão grande, mas vai ser muito maior em market cap do que é hoje. E aposta esportiva é um negócio de alta monetização. É um negócio que dá muito dinheiro.

O que é o sports book?

É como se fosse um home broker de aposta esportiva. Se você quer apostar em algum esporte você tem que entrar numa espécie de home broker. Mas qual a diferença deles? Empresas como a DraftKings lançaram seus sports book e estão fazendo marketing pesado na ESPN, no Facebook e no Google, para atrair clientes para o sports book deles.

A theScore não precisa fazer isso. Ela já tem o segundo maior app focado em conteúdo esportivo dos EUA, com 5 milhões de usuários únicos por mês. Nossa tese é que vai ter muito cross selling, o que vai fazer com que o custo de aquisição de clientes seja muito baixo.  Ela vai converter seus próprios usuários, que são viciados em esportes e tem engajamento muito alto, em apostadores. Estamos falando de um mercado de no mínimo US$ 15 bi de receita só nos EUA.

Quem fundou essa empresa?

Foi o John Levy, que tinha uma holding de canais de televisão no Canadá e o principal deles era o theScore. Ele vendeu esses canais para um grupo grande canadense (Rogers) e ficou só com os sites e aplicativos. Antes de ter canais de televisão, ele já tinha vendido um outro negócio. O pai dele foi um dos consolidadores da televisão a cabo no Canadá. Ele herdou esse negócio e vendeu também. Então, esse é o terceiro business dele.