Nem mega bullish, nem coveiro antes da hora: com o S&P na máxima histórica e o Ibovespa próximo dos níveis pré-covid, o fundo Verde hoje tem 30% de sua carteira em ações (20% Brasil e 10% no exterior, majoritariamente EUA.) 

Historicamente, quando Luis Stuhlberger está pessimista sua posição em Bolsa cai para 15%; quando está otimista chega a 40%. (Os dois pontos fora da curva foram no auge da crise da Dilma, quando a posição chegou a ser zero; e na implosão do mercado pós-covid, quando foi para quase 60%). 

11130 7e70aadf 0ba3 ec8c abbc 5d21f35b5058Stuhlberger tem dito que o mercado não está dando o devido valor para a fragilidade da economia brasileira. Por outro lado, “o Brasil está passando por uma transformação de juros enorme — muito maior do que lá fora,” diz Pedro Sales, o head de ações da Verde. Se o País conseguir manter o equilíbrio fiscal, ele acha que este será um fenômeno de longo prazo. 

O chefe de equities da Verde trabalha com Stuhlberger desde 2005, quando entrou na então Hedging-Griffo como analista de ações depois de seis anos na JGP. Em 2009, tornou-se o gestor de toda a carteira de ações do fundo. 

Hoje, administra R$ 8 bilhões, dividido entre os fundos puramente de ações e as alocações dos multimercados da casa. A carteira da Verde é composta por entre 20 e 25 empresas e suas maiores posições incluem Hapvida, Intermédica, Equatorial, BR Distribuidora, Natura, Magazine Luiza e B3.

Sales falou com o Brazil Journal sobre o pipeline de IPOs e as principais posições da carteira. 

Um ano atrás, eu olhava essa migração para a renda variável e olhava o pipeline de ofertas e dizia: ‘vai faltar papel’. Hoje, eu olho para o pipeline e acho que vai sobrar papel. Como você está vendo o volume de ofertas previstas para este ano e o impacto que isso tem (se tem algum) no preço dos ativos?

Tem que separar volume em dois aspectos diferentes. Um é volume em bilhões de reais outro é volume quantidade e qualidade das empresas. Do ponto de vista de volume financeiro, o volume é relevante mas acho que é saudável em linha com a preocupação anterior que você tinha do risco de faltar papel. Quando você olha esse movimento das pessoas buscando diversificar, indo para a ativos de risco e a Bolsa sendo uma boa opção é fundamental que tenham novos papéis na Bolsa para suportar isso. Porque se tivermos mais bilhões de reais tentando comprar as mesmas ações vai gerar um desequilíbrio: não tem como ter mais investimentos nas mesmas ações a não ser que isso venha apenas de alta de preço, o que não seria saudável. 

Tem muita gente que acha que Bolsa subir sempre é bom para quem investe em ações. Na verdade, é bom a Bolsa subir de forma saudável, porque a rentabilidade das empresas está subindo e isso está justificando essa alta da Bolsa. A Bolsa subir porque virou um ambiente de bolha, porque as pessoas estão querendo comprar ação e não tem outras ações para comprar, seria péssimo. Em bilhões de reais tem bastante coisa, mas não acho que é um absurdo dado a mudança drástica no nível de juros de longo e curto prazo. 

Mas tem outro lado que é a quantidade e qualidade das empresas. Esse aspecto não me preocupa no sentido de estragar o mercado. O que me preocupa é quando entramos num ambiente em que empresas que não teriam qualidade para ir para a Bolsa conseguem porque tem muita gente comprando sem ter tido o tempo ou a vontade de fazer o dever de casa de analisar essa empresa. Aí acho preocupante. Há alguns casos desses nessa leva de IPOs? Acho que sim, há alguns casos que olho e penso ‘isso aqui não é saudável’. Mas a ponto de gerar um problema para o mercado? Não. Acho que isso são ciclos normais de mercado. Quando você chega numa alta da Bolsa como tivemos agora, isso gera uma euforia. Na euforia alguns erros serão cometidos, algumas pessoas vão perder bastante dinheiro com IPO, e isso é saudável porque essas pessoas vão aprender e depois vai ficar mais difícil de uma empresa abrir capital lá na frente. 

Como gestor eu preciso selecionar muito bem quais empresas vou gastar tempo para olhar. Preciso gastar poucos minutos para tomar a decisão se vou investigar aquela empresa ou não. Depois, preciso fazer um bom trabalho na seleção para ter um pequeno grupo de empresas que vou estudar, e dentro delas achar algumas poucas para investir. 

Vocês tem uma posição grande em planos de saúde (Hapvida, Notredame Intermédica e SulAmérica). É uma tese setorial?

Esse é um investimento relevante nosso, e principalmente nas empresas verticalizadas (Hapvida e Intermédica). 

Essas empresas conseguem entregar planos de saúde a preços muito abaixo das redes de plano aberto, e isso possibilita atender um mercado gigantesco no Brasil. Como menos de um quarto da população brasileira tem planos de saúde privados, essas empresas têm condições de dobrar, triplicar de tamanho ao longo dos próximos anos. 

Essas empresas têm um múltiplo P/L alto, mas quando eu olho esse setor não é um ciclo de dois, três anos. Eu olho esse setor daqui a cinco, 10, 15 anos, e entendo que ele ainda vai ser um setor de grande crescimento, porque saúde tem um aumento de gastos no mundo inteiro com o envelhecimento da população. 

Além disso, a tecnologia neste caso trabalha a favor, e não contra, as empresas. A tecnologia vai mudar o setor, tornar ele mais eficiente. O risco de não ter um modelo de planos de saúde daqui 10 anos com essas operadoras sendo líderes é muito baixo. 

Mesmo com esses múltiplos altos, essa avenida de crescimento de longuíssimo prazo faz com que elas sejam um investimento bastante atrativo. 

Equatorial Energia é um investimento que vocês carregam há muitos anos. Por que ainda gostam da empresa?

A essência dela é a qualidade da gestão. Ao longo do tempo, sempre tem alguém dizendo que a Equatorial está cara. E quase sempre quando surge essa discussão achamos que ela está cara para o portfólio daquele momento. Mas damos muito valor para a capacidade de geração de novos negócios, que não necessariamente você consegue enxergar naquele momento. 

Ao longo dos últimos anos, começou uma discussão, por exemplo, sobre a Equatorial entrar no mercado de saneamento. Ela nem entrou ainda, mas imagina a avenida de crescimento que pode ter, considerando que ela é uma excelente alocadora de capital e com a implementação de uma gestão de qualidade num negócio que não é igual, mas que tem muito semelhança com o de energia. É um monopólio natural que você atua sozinho e precisa ser muito eficiente para ter uma rentabilidade melhor do que a sua tarifa lhe propõe. 

BR Distribuidora é uma posição relevante do fundo. Qual é a visão?

A principal razão para gostarmos da BR Distribuidora é porque temos uma visão bastante positiva da transformação cultural e de gestão pela qual a empresa está passando. Nesse processo tem uma parte que damos bastante valor que é a composição do conselho. O que nos deu convicção para acreditar nesse processo de reestruturação foi não só os executivos que estão lá dentro, mas o conselho. 

Nós, junto de outras gestoras, ajudamos a formar esse conselho: procuramos algumas pessoas, conversamos com bastante gente, propusemos esse conselho e votamos nele. Foi um grupo de assets que fez isso, e a composição do conselho é fenomenal na minha visão. É rara uma composição onde a qualidade das pessoas seja tão alta, junto com a disponibilidade de tempo e alinhamento das ideias. Falo isso porque tem muita gente que tem um super currículo no conselho, mas que não veste a camisa e é mais um consultor do que conselheiro de verdade. Na BR todos vestem a camisa.

Vocês tem algum ‘fallen angel’ na carteira, empresas que foram do céu ao  inferno? 

Não estão entre as maiores posições, mas temos C&A e Hering. Nos dois casos, a questão é o quanto você acredita nas pessoas que estão lá dentro para melhorar os resultados operacionais. Na C&A tem um ponto interessante: ela passou um período razoável com os resultados muito aquém do que deveriam, mas se você pegar um histórico mais longo, ela já foi considerada uma das melhores varejistas de vestuário do Brasil. A marca da empresa ainda tem muita força, ela tem atributos muito bons lá dentro, e o que ela precisa é conseguir passar por um processo de melhoria de gestão e transformar isso em bons resultados. 

Eu entendo que a equipe lá dentro tem total condição de fazer isso. Um dos problemas da C&A no passado era um controlador muito distante da operação. Ele controlava muito, ao mesmo tempo em que estava distante e sem entender a realidade do Brasil.O IPO transferiu essa gestão para o Brasil, dando mais responsabilidade para os executivos e com a composição de um conselho que vai representar o controlador nas decisões estratégicas. Agora, acho que tem um alinhamento de interesses e uma estrutura muito melhor para os executivos entregarem essa reestruturação. E, obviamente, o nível de preços dela reflete uma empresa que ainda tem muito para provar. Se ela conseguir desenvolver esse trabalho — que acreditamos que ela vai conseguir — pode ter uma alta muito significativa das ações. 

A tese da Hering é parecida?

A Hering também passa por uma evolução na gestão. Até 2011, a empresa passou por um momento muito bom e depois passou um longo tempo de deterioração dos seus resultados. Ao longo dos últimos anos ela passou por uma mudança relevante na gestão, inclusive com o Tiago Hering, que por acaso é filho do Fabio Hering (controlador da empresa). Quando digo ‘por acaso’ é porque ele não está lá porque é filho — ele já era um executivo muito bem sucedido, dono de várias franquias da Hering. Ele tem condições de trazer um olhar novo, melhorar essa gestão e fazer com que a Hering volte a ter uma avenida de crescimento. E por causa dos resultados mais negativos dos últimos anos, quando você olha o preço da ação ele precifica um cenário bem difícil. Então, também pode ter uma alta muito forte se eles entregarem. 

E os bancos? Estão caros ou baratos?

A gente tem um investimento em bancos, mas é uma posição de tamanho médio. Nossa visão é que o desafio para os bancos diante do novo cenário competitivo é um desafio enorme ao longo dos próximos anos, na verdade daqui para sempre. Se os bancos fizerem um bom trabalho eles poderão continuar tendo uma boa rentabilidade, menor do que no passado, mas uma boa rentabilidade. Então, tudo depende do preço. Tem momentos que podemos voltar a ter uma posição razoavelmente grande e tem momentos em que podemos não ter nada. No momento estamos com uma posição média, com a visão de que de fato eles ficaram um pouco para trás e que o preço está interessante mesmo colocando na conta todos esses desafios do novo cenário competitivo dos bancos. 

E vocês tem uma carteira com vários bancos, como nas operadoras de saúde, ou um nome?

Não temos todos, mas temos alguns. A gente olha os bancos e decidimos em quais alocar e qual o tamanho dependendo da visão específica daquela ação naquele momento, relativa entre elas. No momento atual, a gente está distribuído entre Itaú, Bradesco e Banco de Brasil. 

Você acha que a pandemia mudou um pouco a dinâmica competitiva do setor, na medida em que acelerou a digitalização dos bancos e pode ter dificultado um pouco a vida das fintechs?

Tem pontos positivos e negativos. Talvez as fintechs tenham menos dinheiro e seja mais difícil delas se desenvolverem. Esse ponto pode ser verdade em alguns casos, mas eu considero ele pouco relevante porque muitas empresas já passaram daquele nível em que o capital é uma barreira relevante. Quando eu penso em risco para o banco, eu não estou pensando numa fintech que vai surgir e não existe ainda, eu estou pensando naquelas que já passaram por essa barreira. Tem as empresas de meios de pagamento, tem as empresas de ecommerce (Mercado Livre, Magalu), tem as de software (Linx, Totvs), tem XP e outras… nenhuma dessas empresas vai deixar de se desenvolver porque teve a crise. Então, o que poderia ser positivo para os bancos eu considero praticamente desprezível. 

E tem o lado negativo: a pandemia está acelerando a digitalização num momento em que os bancos ainda podem estar atrás na qualidade do serviço em comparação com algumas fintechs. Acelerar esse movimento é ruim para os bancos. Se isso viesse daqui a dois anos eles estariam mais preparados. 

B3 é outra posição grande de vocês. Qual a tese? 

No início do ano vimos muita gente preocupada com a potencial entrada de um novo competidor e aproveitamos a oportunidade para aumentar nosso investimento em B3, principalmente porque é uma empresa que tem muito a se beneficiar desse ambiente de juros baixos,  novos produtos, mais investimento em ações, produtos mais sofisticados. Tem algumas empresas que podem se beneficiar disso, e a B3 é uma delas, porque ela atua nos mais diversos mercados.  Seja qual for o novo instrumento que vai surgir, a B3 tem tudo para ser o player desenvolvendo ou incentivando o desenvolvimento desses novos instrumentos. Além disso, ela tem uma gestão que evoluiu ao longo dos últimos anos. Tem um CEO que veio da Cetip e que trouxe esse espírito de gerar novos produtos, novos mercados. A B3 está com um pipeline enorme de lançamento de produtos e quando você olha uma janela de 2, 3, 5 anos, esses produtos podem gerar muitas receitas que os investidores ainda não estão colocando na conta. 

No começo do ano vocês tinham uma posição em shoppings. Vocês ainda tem alguma posição em shoppings, compraram com essa queda que teve na pandemia, ou saíram completamente do setor?

A gente saiu quase totalmente. Obviamente tem toda essa questão da pandemia e dos impactos pro setor… acelera ecommerce, isso é ruim pra shopping. Mas mesmo assim, continuamos achando que shopping tem seu espaço e podemos voltar a comprar em algum momento. Mas tem um fator adicional, que não sei quanto o mercado está olhando, que é o risco com a reforma tributária. E aí não estou falando só da proposta do Governo Federal, da CBS, mas se for a PEC 45, ou algo próximo dela, esse é o setor que pode ter mais aumento de carga e com dificuldade de repassar esse aumento. Pode ter um impacto relevante e esse foi um dos fatores que contribuiu para a gente praticamente zerar a posição.