Em mais uma medida populista para produzir modicidade tarifária por canetada, a Câmara dos Deputados aprovou um requerimento de urgência para um Projeto de Decreto Legislativo que suspende o reajuste da Enel Ceará – e já há políticos querendo expandir a ideia para todo o Brasil.

O PDL 94/22 – proposto pelo deputado cearense Domingos Neto – quer impedir o reajuste anual de 24% da Enel Ceará já calculado e aprovado pela Aneel, a agência reguladora do setor.

O argumento é que o reajuste é muito acima da inflação e vai pesar no bolso do consumidor.

Por enquanto, o projeto ainda não tem data para ser votado, mas com o requerimento de urgência (aprovado por 410 deputados), ele passou na frente de outros projetos e pode ser pautado no curto prazo pelo presidente da Casa, Arthur Lira.

Se aprovado na Câmara, o PL ainda precisa passar pelo Senado, mas nesse caso, ele não precisa de sanção presidencial.

Como más ideias tendem a se disseminar mais rápido do que você consegue falar “populismo econômico”, a preocupação do setor elétrico é de que os deputados tentem expandir a decisão para outras distribuidoras.

O Bradesco BBI disse que conversou com consultores em Brasília, que disseram que já existe uma discussão no Congresso para expandir a medida para qualquer distribuidora que tenha reajustes anuais de tarifa acima de 15%.

A discussão também preocupa porque é a primeira vez na história que o Congresso tenta mudar a decisão de uma agência regulatória por meio de um PDL. No passado, outras medidas semelhantes foram discutidas, mas sempre partindo do executivo.

“Isso certamente vai levantar algumas sobrancelhas, mas também deve implicar em litígios de companhias e do executivo dada a interferência em decisões de reguladores técnicos,” escreveram os analistas do Bradesco.

Os analistas disseram que se solidarizam com as preocupações sobre a acessibilidade da tarifa de energia, mas que aprovar essa medida seria o equivalente a “atirar no mensageiro.”

“As tarifas de energia subiram substancialmente nos últimos anos, mas isso não aconteceu porque as distribuidoras estão ganhando mais dinheiro necessariamente,” disseram os analistas. “Os principais culpados pelo aumento das tarifas para o consumidor final tem sido o aumento no custo para comprar energia pela má hidrologia (maior despacho das térmicas, que são mais caras) e encargos setoriais (por exemplo, os subsídios cruzados).”

Se aprovada, a medida colocará em risco a sustentabilidade financeira das empresas do setor – e aproximará o Brasil da Argentina, onde o controle de preços é uma das maiores ferramentas de política econômica (com o fracasso de sempre).

O reajuste da tarifa serve para repassar ao consumidor final os aumentos (ou quedas) dos custos não-controlados das distribuidoras – o custo de compra da energia e os encargos, por exemplo – somado à inflação do período.

Esses custos tipicamente representam dois terços das receitas das distribuidoras – o que dá uma ideia do tamanho do estrago caso as companhias tenham que absorver esse aumento de custo na margem.

Apesar do susto, o consenso no sellside é que a medida não deve ir para a frente.

“Esforços populistas semelhantes já foram feitos no passado, notadamente em 2012, 2013, 2014, 2020 e 2021. Em todos os casos, a solidez dos contratos ganhou. Não esperamos que seja diferente dessa vez,” escreveu o analista Antônio Junqueira, do Citi.

A visão no mercado é que a medida até pode passar no Congresso, mas no final a conta não deve sobrar para as distribuidoras.

Se o PL for aprovado, há duas alternativas: ou o governo vai construir uma nova conta ACR para reduzir a tarifa, aos moldes do que fez em 2020 com a Covid e em 2014; ou, se sobrar para as distribuidoras, elas devem ir ao Supremo, onde tendem a ganhar.

“Os contratos de concessão são muito fortes e o poder concedente é signatário desses contratos,” disse uma fonte do setor. “Se você pegar o pior estagiário de um grande escritório de advogados e mandar ele para o Supremo defender as distribuidoras ele vai vencer! Porque tá tudo extremamente claro no contrato, não tem margem para interpretação.”