A centenária indústria do vinho argentino vivia uma fase sonolenta e sem grandes ambições no final da década de 90 –  até que a explosão do Chile no mercado internacional pareceu acender uma luz.

Ora, se os chilenos conseguiam exportar e produzir vinhos de alta qualidade, por que as vinícolas locais não faziam o mesmo? Começava então a saga do Malbec, a uva que marcou a conquista do mundo pelos produtores argentinos.

A boa notícia agora é que, além do Malbec já reconhecido, nossos vizinhos estão criando excelentes varietais e blends feitos com castas pouco reconhecidas naquele país.

James sucklingA tendência chamou a atenção de James Suckling, um dos maiores especialistas do mundo em vinhos. Num relatório intitulado Argentina Annual Report: conjuring greatness beyond Malbec, Suckling se confessou impressionado com exemplares feitos com castas como Semillón (que se destacou na colheita 2021), Chardonnay, Cabernet Franc, e Pinot Noir.

Vinhos dessas uvas chegaram a receber notas próximas a 100 no último ranking do mercado argentino realizado pelo especialista, em dezembro.

Aos 64 anos e hoje baseado em Hong Kong, Suckling é uma referência do mercado internacional. Ele estima já ter provado cerca de 250 mil vinhos ao longo de sua carreira, que começou em 1981 no Los Angeles Times e inclui passagens pela respeitada Wine Spectator e revistas como Forbes e Cigar Aficionado. Desde 2010, Suckling tem seu próprio portal de notícias e avaliações.

Em sua mais recente avaliação da Argentina, Suckling e sua equipe não conseguiram conter o entusiasmo com a variedade da oferta do país vizinho.

É o caso dos Chardonnay produzidos por vinícolas tradicionais como Catena Zapata, Cobos e Trapiche; o Pinot Noir patagônico da Bodega Chacra; o Semillón de Matías Riccitelli; e os Cabernet Franc das bodegas El Enemigo, Rutini e Marcelo Pelleriti, para citar alguns exemplos.

O Catena Zapata Chardonnay Adrianna Vineyard White Bones 2020, por exemplo, recebeu avaliação de 99 pontos por parte da equipe. “Nariz fascinante de lavanda branca, limão, abacaxi, maçã verde, tomilho, alecrim, sourdough, amêndoa e concha de ostra. Muito sabor e fragrância. Incrivelmente expressivo, com camadas envolventes de frutas frescas, especiarias, flores e ervas,” afirmaram os críticos.

Para quem quer explorar ainda mais a diversidade do novo universo argentino, vale a pena experimentar também os Cabernet Franc. O grande destaque com a uva é a Bodega El Enemigo (que já foi assunto aqui no Brazil Journal), uma iniciativa do famoso enólogo Alejandro Vigil e Adrianna Catena, filha do famoso Nicolás Catena Zapata.

O Gran Enemigo Single Vineyard El Cepillo 2018, feito com Cabernet Franc, recebeu 97 pontos na avaliação da equipe de Suckling: “Ameixas maduras, amoras, cerejas pretas, pinhas, chocolate com menta, cravo e ervas secas no nariz. Notas de pimenta preta também. Corpo médio com taninos finos e bem integrados. Bem estruturado e musculoso com uma intensidade fantástica. Prove em 2024.”

Outra opção interessante entre os argentinos são os blends, minha preferência pessoal, pela complexidade que as mesclas de castas podem oferecer. Na Argentina, blends ao estilo bordalês – com combinações diferentes de Malbec, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Petit Verdot – produzem vinhos estruturados, com notas de fruta negra, cassis, café, ameixa e pinho.

Alguns blends se destacaram bastante no ranking de Suckling. Um clássico, que levou nota 98, é o Catena Zapata Nicolás Catena Zapata 2019, com “um nariz complexo de amoras assadas, ameixas grelhadas, terra seca, musgo, pinhas, sândalo, carvão e cravo”.

É o caso também de vinhos como Bemberg Pionero 2017, Pulenta Gran Corte VII 2019, Flecha de los Andes Gran Corte 2019, e o Perdriel Centenario 2019, todas marcas bem conhecidas dos brasileiros. O Perdriel Centenario, por exemplo, surpreendeu os degustadores por seu corpo e notas de frutas negras, violeta, pó de cacau e incenso.

Mas algum vinho levou nota 100 por parte dos avaliadores de Suckling neste ranking? Sim. O Viñas Cobos Malbec 2019 chegou lá por sua intensidade e notas de azeitonas, flores, framboesas, fruta negra e frutos do bosque.

“É o arquétipo do Malbec argentino,” suspiraram os críticos. Um detalhe: a recomendação é ainda esperar alguns anos para degustá-lo, pelo menos até 2027.

Se os grandes Malbec ainda dominam o ranking de melhores vinhos da Argentina, a novidade é poder explorar uma linda oferta de produtos variados. Até porque este parece ser um excelente momento para aproveitar os vinhos de lá. Para o famoso enólogo e consultor Paul Hobbs, da vinícola Viña Cobos, a colheita de 2021 deve ser a melhor dos últimos 10 anos. “E isso é dizer muito, se considerarmos que 2017, 2018 e 2019 foram anos excelentes,” afirmou.

Flávio Ribeiro de Castro ama comida, vinhos e charutos.

Na foto acima, a Finca Bella Vista, em Perdriel, Mendoza — uma das vinhas da Achaval Ferrer.