Não é novidade que a pandemia bagunçou a vida e a economia. O apocalipse não veio, mas uma nova realidade se impôs aqui nos EUA.
Assim como na moda e na cultura pop, há uma uma certa volta aos anos 80 do Bright and Big. Na economia, o grande legado da pandemia foi uma inflação não vista justamente desde os anos 80. O lado bom é que aprendemos com Paul Volcker que o remédio contra a inflação é uma dose amarga de juros altos – Volcker chegou a colocar as taxas dos Fed Funds em 19% em 1981.
Pois bem, 2022 foi o ano do Back to the Future, onde reeditamos as políticas de aumentos de juros dos anos 80. Em menos de um ano o Fed elevou a taxa básica da economia em 450 bps, com os juros alcançando o maior patamar desde o fim de 2007. Esse aumento expurgou algumas empresas tech do mercado, ajustou valuations, e gerou o pior ano em termos de desempenho nos bonds – o US Aggregate Bond Index caiu 15,8%. O período trouxe de volta a ideia “maluca” de que o dinheiro possui valor e de que as empresas precisam buscar o lucro – “isso é tão anos 80!”
A questão é que a queda citada nos preços dos bonds engendrou um fluxo muito intenso de recursos para o mercado de renda fixa aqui nos EUA. O que vemos hoje aqui é um certo consenso de que é momento de se aproveitar.
O CEO da BlackRock, Larry Fink, disse recentemente que os investidores hoje conseguem rendimentos atraentes sem assumir grandes riscos de crédito ou investindo em prazos longos.
Lisa Shalett, a CIO de Wealth Management do Morgan Stanley, explorou os motivos de os investidores buscarem por bonds em 2023 em um artigo. Xavier Vegas, Head of Global Credit Strategy do JP Morgan, vai além ao fazer uma provocação: “a renda fixa pode oferecer retornos semelhantes aos das ações?”
De fato, tanto investidores institucionais quanto de varejo têm colocado mais e mais fundos naquele que alguns já dizem ser o trade do ano. Segundo dados da Refinitiv, no final do ano, os fundos de renda fixa dos EUA atraíram o maior influxo semanal de recursos em 18 meses nos 7 dias até 4 de janeiro. Ainda segundo a Refinitiv os fundos de títulos dos EUA atraíram US$ 10,52 bilhões e nos últimos 40 dias de negociação os ETFs de renda fixa receberam entradas de cerca de US$ 48 bilhões, número esse que só perde para as compras no auge da covid.
A lógica parece simples. Se os títulos de dívida do governo americano, considerado livres de risco, remuneram 4,50% ou ainda, títulos investment grade pagando mais de 5%, e considerando que nos últimos 30 anos o retorno médio do S&P 500 foi de aproximadamente 10% ao ano, por que tomar o risco de bolsa?
Brasileiros já possuíam o costume de investir em renda fixa, aquele apreço especial pelo CDI. Então parece ter havido uma confluência de fatores. Taxas mais altas no mercado americano e uma percepção mais aguda de risco país e incerteza tem feito milhares de brasileiros a investir fora do país, e em especial buscando preservar capital em moeda forte. Na Avenue percebemos um aumento de mais de 150% na captação geral nos últimos 3 meses ante 2021.
Mas será que dessa vez o investidor brasileiro estaria entrando no trade na hora certa? Só o futuro vai responder, mas aqui nos EUA parece haver um certo consenso de que é hora de aproveitar.
Para brasileiros acostumados às taxas de dois dígitos, tais números podem não parecer tão atrativos, mas vale destacar dois pontos: o benefício da diversificação geográfica para a carteira e a diversificação de indexadores.
Ou seja, se no Brasil você ganha IPCA + 5%, por que não ter também Dólar + 5%? Até porque conhecemos bem casos de relativização e/ou manipulação dos índices oficiais de inflação. Vai que as ideias dos anos 80 realmente voltam à moda na cena local?
William Castro Alves é o estrategista-chefe da Avenue Securities.