O pontapé na carreira de um dos maiores gestores de todos os tempos foi dado quando ele, ainda menino, ganhava uns trocados carregando tacos de golfe.
Ray Dalio tinha 12 anos e era caddie. Entre uma jogada e outra, entreouvia conversas sobre investimentos. Pegou US$ 300 e comprou a ação mais barata que conseguiu achar.
Dalio não sabia que a companhia estava prestes a falir, mas deu sorte: a empresa – uma companhia aérea – foi comprada, e a ação triplicou.
“Fui fisgado por esse jogo,” diz Dalio, que, anos mais tarde, fundaria a Bridgewater Associates, o maior hedge fund do mundo, com US$ 150 bilhões em ativos sob gestão.
A história está em How to Invest – Masters on the Craft (Simon & Schuster; 410 págs.), uma compilação de entrevistas de David Rubenstein com grandes gestores. O livro sairá no Brasil em junho, pela Intrínseca.
David, um dos fundadores do Carlyle, falou com nomes como Larry Fink, Jon Gray e Sam Zell. Ao todo são 23 conversas, cobrindo desde os investimentos mais tradicionais às novas fronteiras da alocação de capital.
Alguns dos entrevistados foram personagens centrais de eventos marcantes da história financeira recente, como a aposta na desvalorização da libra esterlina em 1992 e o big short contra os títulos hipotecários antes do estouro da bolha imobiliária em 2007.
Os gestores falam de suas trajetórias, rememoram fracassos e grandes acertos – oferecendo insights valiosos para quem gosta de finanças e para quem enfrenta a inglória labuta diária de tentar bater o mercado.
Dalio, por exemplo, afirma que o seu segredo está em “pensar de maneira independente, porque não se pode fazer dinheiro no mercado apostando com o consenso, porque o consenso já está no preço.”A mensagem é de uma obviedade evidente. O diabo, claro, está em como pensar de maneira independente e bater o consenso de mercado sistematicamente ao longo dos anos.
Como se sabe, Dalio criou uma série de princípios para nortear suas decisões e reduzir os ruídos de informação. Cada erro é encarado como um quebra-cabeça a ser desvendado – e as informações dessa análise alimentam um modelo computadorizado que o auxilia na definição dos próximos movimentos.
A partir daí, o processo envolve calibrar as jogadas para que tenham um grande potencial de ganho com downside limitado. Os princípios foram convertidos em algoritmos cujos resultados prováveis podem ser checados e avaliados antes de as peças serem movidas.
A fórmula soa metafísica em demasia? Talvez seja pelo fato de Dalio ser um discípulo da meditação transcendental, sob inspiração dos Beatles. “Faço desde 1969. É algo que me deixa mais saudável, porque reduz o estresse.”
Mais difícil será tirar alguma lição prática da entrevista com Jim Simons, o investidor mais bem-sucedido de toda a história. Entre 1968 e 2018, o seu principal fundo, o Medallion, rendeu em média 66% ao ano (39% depois das taxas). Ninguém nunca manteve um desempenho semelhante por um período tão longo.
Professor de matemática em faculdades de renome nos EUA, a certa altura da vida Simons decidiu entrar no mercado financeiro.
No início, seguia o roteiro dos gestores tradicionais. Cansado do estresse causado pelos altos e baixos do mercado, decidiu investir seu intelecto e energia no desenvolvimento de modelos matemáticos para operar câmbio e commodities.
Era a largada para a revolução dos fundos quantitativos, regidos por algoritmos e com a menor influência humana possível.
O sucesso da Renaissance Technologies foi tal que seus executivos e funcionários são hoje praticamente os únicos cotistas do principal fundo. Decidiram limitar a captação para que os movimentos da gestora não impactassem demasiadamente os mercados.
Simons desenvolveu um moto-contínuo de criação de dinheiro. Fazendo ordens de compra e venda automatizadas e de alta velocidade, o Medallion teve em períodos de grande estresse financeiro os seus anos mais rentáveis: 128% de alta em 2000, 137% em 2007 e 152% em 2008.
Uma história bem diferente é a de John Paulson, que fez uma pequena fortuna ao arquitetar, ainda em meados dos anos 2000, uma gigantesca aposta contra as hipotecas imobiliárias americanas. O seu fundo faturou US$ 20 bilhões, o maior ganho de que se tem notícia durante o crash de 2007/2008.
Na conversa com Rubenstein, Paulson dá detalhes de como operou a aposta. Basicamente, adquiriu maciçamente contratos de credit default swaps. O gestor encontrou aí um mercado gigantesco em que poderia armar uma posição com um custo de carregamento relativamente baixo e grande potencial de ganho.
“Nunca havia me deparado com algo tão assimétrico como essa operação – assimétrico querendo dizer que eu poderia perder um pouco no downside mas ganhar 100 vezes no upside,” diz Paulson. “Era então possível fazer muito dinheiro sem correr muitos riscos.”
A estratégia tinha semelhança com a aposta contra a libra, em 1992. George Soros ficou com a fama de ter lucrado bilhões com a desvalorização da moeda britânica, mas quem teve a ideia da operação e a executou foi Stan Druckenmiller, à época o gestor do Quantum Fund. Em sua entrevista, Druckenmiller anteviu que seria improvável a manutenção por muito tempo da paridade da libra com o marco, por causa dos diferenciais no ritmo de crescimento econômico e na inflação entre o Reino Unido e a Alemanha.
“Honestamente, eu não sabia se eles iriam desvalorizar a libra quando eu fiz a operação,” afirma o gestor. “Pensei apenas que o máximo que eu poderia perder seria algo como 0,5%, mas eu poderia ganhar 20%. Foi uma aposta baseado no risco/recompensa.” Resultado: um lucro de mais de US$ 1 bilhão, inédito até então para uma tacada desse tipo.
“A ironia é que eu ganhei mais dinheiro depois, com as consequências da desvalorização,” diz Druckenmiller, “negociando ações britânicas, títulos públicos”. Nos dois anos seguintes, foi a estratégia dominante do fundo – e altamente rentável.Desde então, países com câmbio fixo tornaram-se presas fáceis, como mostraram os ataques contra os Tigres Asiáticos, contra o peso argentino nos tempos da paridade com o dólar e, claro, contra o Real em 1999.
How to Invest agrega histórias já conhecidas por quem acompanha o mercado de perto, mas ainda assim pode ser uma leitura instrutiva para gestores públicos e governantes que se acham capazes de enfrentar os mercados.
Sempre haverá gestores – munidos de modelos matemáticos implacáveis – prontos para faturar bilhões em cima dos desequilíbrios criados pelos políticos. Capisci?