Nos dias de hoje, quando três gestores se encontram, o clima é de velório.
Sorumbáticos e lutando contra uma depressão que tem seu epicentro em Brasília, eles trocam impressões, discutem suas carteiras, mas, no final, todos chegam no mesmo lugar: o ‘doom and gloom’ que tomou conta da Faria Lima desde que o presidente eleito matou o que tinha tudo para ser um dos maiores ralis pós-eleitorais de todos os tempos.
Hoje à tarde, num evento organizado pelo Itaú BBA, não foi diferente.
Luis Stuhlberger, do Verde, disse que tem 15% do fundo na Bolsa brasileira – metade da alocação típica.
Já Felipe Guerra, da Legacy Capital, acha que a Bolsa é “ou pra vender ou pra deixar de lado.”
Rodrigo Azevedo, da Ibiúna Investimentos, por sua vez, vê o Brasil de hoje apenas como um “mercado de trade, e não de alocação. E pra ganhar dinheiro é em juros e câmbio, e não na Bolsa.”
Mas quando o assunto é o Brasil, os três foram unânimes: o País caminha para um cenário de juro neutro mais alto, inflação elevada e uma volta a um modelo de subsídios do BNDES e gastos públicos maiores.
“Esse governo está parecendo muito mais a Nova Matriz Econômica da Dilma do que o Lula 1,” Stuhlberger disse durante o Macro Vision, o evento anual do Itaú.
“Enquanto as coisas vão razoavelmente bem, ok. Mas se forem mal, essas ideias heterodoxas de modern monetary theory, de ‘vamos mudar a meta de inflação para algo mais perto de 4,5%’, podem começar a ganhar força.”
Tudo caminhava para que a eleição de Lula trouxesse um rali na Bolsa e demais ativos brasileiros — que estavam deprimidos em meio à incerteza eleitoral.
O rali chegou a começar, mas o presidente eleito adotou uma retórica praticamente anti-mercado. Com tiradas como “por que o mercado está tão nervosinho?”, “por que temos meta de inflação, e não de crescimento?” — sem falar na tentativa de afrouxar o teto em R$ 200 bi por quatro anos — Lula causou uma inversão de tendência.
O Presidente eleito já disse que sabe “o que é bom para o povo, e o que é bom para o mercado.”
Ao lutar pelo Auxílio Brasil na PEC, Lula já provou seu compromisso social — já o compromisso com a solidez fiscal ainda precisa de uma prova de amor.
O gestor do Verde disse que a PEC da Transição, na forma como foi aprovada pelo Senado, deve aumentar os gastos públicos em cerca de 2% do PIB deste ano. “É muita coisa, dado que o custo da dívida vai tirar mais uns 3, 4 pontos.”
Nesse cenário, ele acredita que existe uma chance real de alguma agência de rating dar um downgrade no Brasil — o que potencializaria ainda mais os efeitos negativos nos juros e na inflação.
Ele pondera, no entanto, que o governo tem meios para mitigar parte disso — por exemplo, retomando os impostos dos combustíveis, cujo subsídio vence no final do ano.
“Sempre é difícil apostar contra o Governo porque antes de perder a partida ele pode fazer vários gols com a mão que a gente não pode.”
Azevedo concorda que o cenário é nebuloso e diz que, se seguir com o aumento dos gastos, o Brasil vai desperdiçar a chance de surfar um cenário global favorável ao País.
“O mercado está se preparando para a ideia de que o pico de inflação ficou pra trás, e de que o pico do juros ficou pra trás. Se isso acontece, a segunda derivada — que é o que importa para o mercado — pode ser muito mais favorável para ativos de risco e mercados emergentes, em particular se isso for turbinado por um enfraquecimento global do dólar,” disse ele.
Para ele, o Brasil está muito bem posicionado, já que é credor líquido em dólar, está no fim do ciclo de aperto monetário, geopoliticamente longe de qualquer conflito e não sofre com problemas de energia como a Europa.
“O que depende para aproveitarmos isso? O endereçamento da questão fiscal,” disse ele. “A questão básica é essa: se o cenário virar e fizermos o mínimo de dever de casa na parte fiscal, 2023 poderia ser um ano muito bom. E a palavra chave aqui é ‘poderia’. Porque tudo que vimos até agora está indicando que não é nessa direção que estamos caminhando…”
Assim como Stuhlberger, o gestor da Ibiúna e ex-diretor do Banco Central acredita que o governo “está caminhando muito mais para um modelo do PT de 2011 a 2015.”
“Vamos voltar para aquele Brasil em que você tem que operar muito mais juro e câmbio e deixar a Bolsa meio guardadinha lá pra ver se um dia a coisa volta…”
Felipe, da Legacy, também enxerga a Bolsa como um ativo para passar longe.
“Nesse ambiente de juros alto e crescimento baixo, temos dificuldade de achar uma ação sequer para comprar no Brasil,” disse ele. “A Localiza é uma empresa que gostamos muito e sempre tivemos no portfólio, mas se você pegar a curva do mercado e assumir que os juros vão ficar em 13%-14% por alguns anos e colocar isso no modelo, a ação deveria cair 25%.”
Segundo ele, o Brasil está querendo fazer um estímulo fiscal “grosseiro” no momento errado do ciclo. Nesse momento, diz ele, o Governo deveria estar ajudando o BC na virada da inflação.
“Resumindo, o que gostamos hoje é de vender Bolsa… Brasil, EUA, Europa, México, all over.”
Questionado sobre as posições do Verde, Stuhlberger disse que o ‘zero balance’ do fundo é sempre ter um pouco de ações e muita renda fixa no Brasil.
Segundo ele, o fundo está “bem baixo” em ações brasileiras, com cerca de 15% do portfólio (metade do target).
“O princípio disso é que se você vai fazer market timing, ‘to com o macro ruim vendo tudo’, depois para comprar de novo não é fácil, porque a liquidez não é grande. Então, tem que ter um pequeno portfólio de empresas que você goste e deixar,” disse ele.
“Dito isso, nenhum portfólio funciona quando você entra num governo populista.”