Mesmo para os padrões da megalomania e autoindulgência do escalão mais elevado do showbiz, Kanye West sempre foi um indócil fora da curva.
Pródigo em controvérsias, o rapper, estilista e celebridade planetária é do tipo que mantém seus patrocinadores em um estado de atenção constante. Mas no final, sempre acabava sendo tolerado pelo seu talento para criar tendências – e ajudou algumas marcas a fazer rios de dinheiro.
Mas nos últimos dias, West – ou Ye, como passou a se chamar de uns tempos para cá – cruzou as fronteiras do tolerável com uma série de comentários ofensivos e antissemitas. Grandes empresas começaram a romper seus laços com o músico e buscam se blindar de uma crise reputacional.
A mais castigada pelo furacão Ye é a Adidas, que mantinha colaboração com o rapper numa linha de streetwear e os disputados tênis da marca Yeezy.
Depois de seguidas semanas recebendo críticas de todos os lados pela sua demora em suspender seu relacionamento com o artista, a empresa finalmente decidiu reconhecer o prejuízo e rompeu hoje o contrato com Ye.
A alemã vai suspender imediatamente a produção das peças da marca Yeezy e deixará de fazer pagamentos previstos para o rapper. Segundo a própria empresa, a decisão deverá impactar em US$ 250 milhões o lucro anual.
Não será uma separação amigável. Promete ser ainda mais turbulenta que o fim do casamento do rapper com Kim Kardashian, dois anos atrás.
Ye perderá assim mais um de seus principais patrocinadores e deve deixar de fazer parte do restrito clube das celebridades bilionárias.
A crise eclodiu quando, no início do mês, Ye foi ao desfile de sua marca em Paris usando uma camiseta com o slogan “WHITE LIVES MATTER”. Entidades defensoras de direitos humanos logo classificaram a frase como promotora do discurso de ódio e associada aos supremacistas brancos.
O astro respondeu atirando. Distribuiu comentários antissemitas em posts nas redes sociais e em entrevistas depois do desfile. Ele também disse que George Floyd, o homem negro assassinado pela polícia de Minneapolis, teria morrido em decorrência de uma injeção de fentanil.
O Twitter e o Instagram suspenderam as contas de Ye. A grife francesa Balenciaga, que manteve uma parceria com o músico até setembro, deletou-o de suas redes sociais.
O artista falava o que queria. Em declarações a um podcast semana passada, soltou: “Eu posso dizer coisas antissemitas, e a Adidas não pode me dispensar. E daí?”
O blefe tinha certa razão de ser. A marca alemã enfrentou dificuldades históricas para conquistar o consumidor americano – e, ao lado de Ye, havia avançado casas relevantes em sua disputa com a Nike.
A parceria teve início em 2013 e, em 2016, foi selada a produção da linha de calçados e roupas da Yeezy, que hoje responde por aproximadamente 10% do faturamento da Adidas, com vendas anuais de US$ 2 bilhões.
Boa parte da fortuna de Ye vinha dessa parceira. Segundo a Bloomberg, ele faturou US$ 500 milhões em royalties nos primeiros 4 anos do contrato.
Mas a colaboração acabou se transformando em lixo tóxico. A Adidas estava tomando pancadas de seus clientes e funcionários. Não foram poucos os que lembraram que o fundador da marca, Adi Dassler, foi filiado ao Partido Nazista.
Na nota em que anuncia o rompimento do contrato, a Adidas afirma que não tolera o antissemitismo nem nenhuma outra forma de discurso de ódio: “As recentes falas e ações de Ye são inaceitáveis, indignas e perigosas. Elas violam os nossos valores de diversidade, inclusão, respeito mútuo e justiça”.
Pouco antes da controvérsia recente, o astro do hip-hop já havia perdido um contrato milionário com a Gap. A linha de produtos Yeezy Gap, lançada em 2020, vende anualmente US$ 1 bilhão.
O contrato com a Gap deveria encerrar apenas em 2030. Mas nos últimos dias, a empresa correu para retirar as peças Yeezy que ainda estavam nas araras de suas lojas e derrubou o site de vendas online dessa linha.
O estrago reputacional foi uma bomba nuclear.
Até Kim Kardashian saiu chamuscada. Artistas e fãs criticaram a celebridade pela demora em condenar o ex-marido. Na segunda-feira, ela divulgou finalmente uma declaração na qual que o “discurso de ódio nunca é OK ou perdoável”, que se coloca “ao lado da comunidade judaica” e que a “violência terrível e retórica de ódio contra eles deve chegar ao fim o quanto antes”.
Isolado e prestes a ser barrado definitivamente das maiores redes sociais, Ye anunciou recentemente a sua intenção de comprar a Parler, uma plataforma popular entre o público mais conservador e extremistas de direita.