O musical “Hamilton”, de Lin-Manuel Miranda, em cartaz há pouco mais de dois anos na Broadway, caminha a passos largos para chegar a U$ 1 bilhão de faturamento, quebrando recordes semanais de receita. Durante suas quase três horas, o espectador acompanha a trajetória de Alexander Hamilton, um dos Founding Fathers dos Estados Unidos.

Político e advogado, Hamilton concebeu o sistema financeiro da nação que nascia e foi seu primeiro Secretário do Tesouro. Hamilton tinha tudo contra ele: era órfão, nascido fora do casamento em pleno século XVIII (e no Caribe), e ainda assim entrou para a História como um homem de talento, convicção e coragem.

10400 1d69074c 42f6 0005 0000 62c921673a54Toda a virtuose artística da peça, repleta de inovação, fala além dos fatos históricos ali narrados e dos dramas daquela jovem república, e nos transporta da Nova York setecentista para o Brasil atual.

Nestes tempos em que ‘política’ virou uma palavra enxovalhada, quase a ser banida do dicionário, a vida de Hamilton nos lembra que a política está intrinsecamente enraizada no humano, e continua fundamental para a sociedade. A poesia de Wislawa Szymborska celebra esta visão: “O que você diz tem ressonância/o que silencia tem um eco/de um jeito ou de outro, político”.

Certamente na política há as boas e as más práticas. Mas experiências ruins não descredenciam a construção das sociedades, que evoluem pouco a pouco, resultado da expressão dos seus membros organizados ou solitários. Também não se pode desprezar toda a contribuição de quem veio antes e passou o bastão da responsabilidade para o próximo atleta deste revezamento contínuo que se chama democracia.

Em “Hamilton”, a mensagem que contagia o espírito é a forma como ele persegue os seus ideais, com empolgação e garra para seguir adiante e enfrentar as adversidades. A consequência é a construção de uma nação e de uma forma de pensar.

Seu antagonista, Aaron Burr, é um personagem complexo que, visto com olhos de hoje, explicita práticas de uma velha política.  Ele aconselha Hamilton a falar menos, sorrir mais e não deixar transparecer as suas opiniões (“Talk less/Smile more/Don’t let them know what you’re against or what you’re for”). A contenção de Burr contrasta com a determinação esfuziante de Hamilton, que pouco se preocupa em como é visto pelos outros, enquanto vai seguindo em frente sem querer desperdiçar o seu momento no mundo (“Hey yo, I’m just like my country/I’m young, scrappy and hungry/And I’m not throwing away my shot!”).

Já George Washington, primeiro presidente americano e outro dos Founding Fathers, deveria inspirar todos que almejam levar a faixa presidencial na eleição deste ano.  Washington foi o grande líder de Hamilton, a quem sempre ressaltou a importância do que se deixa para as próximas gerações. Cantando que a História “está de olho em você”, ele lembra que ninguém tem controle sobre o futuro (“You have no control:/Who lives, who dies, who tells your story”).

Talvez a revolução de Hamilton seja a revolução do indivíduo. A redenção que vem de dentro de cada um. Na política ele se abre ao debate, sem se importar em estar bem na foto o tempo todo. Hamilton sabe que tudo é efêmero, e que o desejo de agradar e não se arriscar nunca constrói um legado.

Hamilton nos ensina que é necessário um consenso mínimo de ideais, valores e princípios para se construir uma sociedade equânime.  Esta é certamente uma lição que podemos tirar de um país que chegou tão longe, com uma Constituição tão curta e que, no entanto, endereçou tantas questões basilares.

Não cabe ao Brasil lamentar não ter sido a pátria de Hamilton, mas podemos nos espelhar em sua trajetória.

 

Alessandro Horta é sócio da Vinci Partners.