Sair da Vila Olímpia numa segunda-feira às 5 da tarde para conhecer uma ONG em Guarulhos é só para os fortes.
Mas quando cheguei no Olhar de Bia, um galpão humilde de chão de cimento queimado na periferia da cidade, cerca de 20 crianças me cercaram — e sua alegria contagiosa me fez esquecer de todos os problemas que eu (achava que) tinha naquele dia.
O sorriso de uma criança é uma coisa muito louca. Não tem maldade, não tem interesse, não tem um porquê que não seja apenas a própria felicidade.
E o mais desconcertante é que aquelas crianças, pelas métricas a que estamos acostumados, não tinham motivo para sorrir: umas haviam perdido o pai para as drogas; outras, para a cadeia, e outras ainda estavam ali para receber um alimento que não tinham em casa.
Cercado pela infinita curiosidade delas, tentei inverter o jogo e pedi que cada uma escrevesse o seu nome e o que queriam ser quando crescer. As crianças se jogaram à tarefa com entusiasmo.
Detalhe: a maioria escreveu o nome completo, como se assinasse um documento.
Mais tarde, o professor me explicou que elas haviam se sentido profundamente importantes por alguém pedir que escrevessem seus nomes no papel. O ato conferiu dignidade e reconhecimento a crianças que raramente são visíveis no abismo que separa a Vila Olímpia de Guarulhos.
Em outro momento, o professor de judô reuniu todos para dizer algumas palavras. Colocando-se no mesmo plano que as crianças, disse que éramos todos felizes por estarmos ali, que éramos todos muito amados, e que devíamos ser gratos por isso. “Agora vamos fazer um lanche. Ele nos foi oferecido pela padaria aqui do lado. Somos muito gratos por esse lanche.”
A vida não fica mais simples que isso, mais genuína, mais básica.
O Olhar de Bia nasceu em 2006 pelo olhar puro e poderoso de uma outra criança.
Quando tinha seis anos, Bia Martins estava no carro com o pai quando cruzou com crianças pedindo comida num sinal.
A desigualdade do mundo já anestesiou muitos de nós (alguns, para sempre), mas as crianças nascem sem os vírus da acomodação e da inércia.
Bia perguntou ao pai por que aquelas crianças não eram como ela. Por que estavam descalças? Por que não tinham nada?
O pai respondeu o que qualquer adulto diria: que os pais daquelas crianças não tinham condições.
Inconformada, Bia começou a guardar as balas que ganhava junto com o troco nos restaurantes que sua família frequentava. Começou a juntar as balinhas em agosto, pensando em dar um grande saco de balas para as crianças carentes no Natal.
A atitude comoveu os pais, os vizinhos e a comunidade, e a partir dali o Olhar de Bia nasceu, cresceu e continua iluminando o mundo.
“What good is it, my brothers and sisters, if someone claims to have faith but has no deeds?” questiona o apóstolo Tiago. No estado atual do mundo, somos obrigados a confrontar essa pergunta.
Bia continua morando em Guarulhos, trabalha numa startup na Vila Olímpia e pega dois ônibus para trabalhar todo dia.
Mas seu empreendedorismo social precoce já gerou um unicórnio que se mede em bilhões de sorrisos e milhares de pessoas impactadas.
Eu fui apenas uma delas.
Pedro Sirotsky é fã da Bia e fundador do B1, um centro de treinamento de startups.