BELO HORIZONTE — Enquanto os chineses inundam o mundo com seus painéis solares de silício, uma pequena empresa mineira está comendo quieta — e há dez anos desenvolve silenciosamente a próxima geração da energia fotovoltaica, num raro exemplo de inovação de ponta made in Brazil.
Diferentemente dos painéis chineses, que tipicamente são quadrados de até 25 quilos, os painéis solares da Sunew são um filme de 0,3 milímetros de espessura que se molda a qualquer superfície — do vidro que vai na fachada dos prédios ao teto de carros e caminhões, passando até pelos lagos de represas — e podem revolucionar a produção de energia.
A tecnologia usada pela Sunew é conhecida como OPV (de ‘organic photovoltaic’, ou orgânica fotovoltaica) por utilizar polímeros sintetizados em laboratório para converter a luz do sol em energia.
Retomando as aulas de química: polímeros são cadeias longas de carbono, hidrogênio e oxigênio (os plásticos são polímeros, ainda que nem todo polímero seja plástico).
No caso da Sunew, o polímero é literalmente impresso num longo rolo de PET — como uma bobina de papel-jornal — que depois é recortado de acordo com a encomenda do cliente.
Até o fim dos anos 1990, acreditava-se que os polímeros não eram capazes de conduzir energia. Mas nas últimas décadas, a tecnologia prosperou e hoje já faz parte do dia a dia. Por exemplo, o chamado OLED — a camada plástica presente nas telas de smartphones e TVs — é um polímero que recebe energia da bateria ou da corrente elétrica e a transforma na luz que você vê na tela do seu smartphone.
A tecnologia da Sunew faz o processo inverso: o OPV recebe a luz (do Sol, direta ou indiretamente) e a transforma em energia.
A Sunew é pioneira em produzir a tecnologia em escala industrial. “É como o segredo da Coca-Cola”, diz Filipe Braga Ivo, diretor de novos negócios da Sunew. “Todo mundo sabe os ingredientes, mas ninguém sabe as medidas e os processos que fazem a Coca ser a Coca”.
Depois de 10 anos de pesquisas e testes, a Sunew tem uma máquina que produz 600 mil metros quadrados por ano se trabalhar em um turno — com o potencial de aumentar em até 24 vezes a produção quando houver demanda para a máquina operar na velocidade máxima e em dois turnos.
Mas antes, a companhia tem outro desafio pela frente: desenvolver o mercado.
Quando o critério é apenas preço, o filme orgânico ainda perde para os painéis solares tradicionais. O metro quadrado do OPV da Sunew é duas vezes mais caro que os de silício e produz 50% a menos de energia. A instalação ainda não compensa para quem fizer apenas a matemática do investimento versus o retorno na conta de luz. (Para abastecer uma casa média brasileira — humilde, que gasta 100 KWh por mês — seriam necessários 12 metros de painel, ou R$ 12 mil).
Por isso, a Sunew está começando pelo mercado B2B: para ganhar escala e poder vender mais barato. Nesse mercado, a empresa consegue vender o posicionamento de preço mais premium do produto, que tem diversas vantagens em relação ao painel tradicional. Um dos principais usos do produto é arquitetônico: os painéis são bem mais discretos que os de silício — e podem ser incorporados aos vidros que vão nos prédios. A Sunew já desenvolveu um vidro que vem com os painéis ‘ensanduichados’ — e que podem transformar prédios espelhados em máquinas autossuficientes de energia.
A Totvs já colocou os painéis na fachada da sua sede em São Paulo, numa disposição que destaca seu logo e cobre todo o andar da diretoria. A Caoa também está colocando os painéis em todo o seu centro de inovação em Anápolis (Goiás).
Outro ponto a favor: além de gerar energia, o OPV bloqueia os raios ultravioleta, diminuindo a temperatura dentro dos prédios e economizando ar condicionado.
Essa propriedade está fazendo com que os painéis tenham boa aceitação em claraboias. Na sede do Itaú, os painéis solares da Sunew agora cobrem um teto de vidro que, antes deles, transformava a academia e um restaurante abaixo dele numa estufa nos dias de sol a pino. Agora, a empresa vem negociando com diversos shopping centers para implantar a mesma solução.
Os usos potenciais são inúmeros. A Sunew desenvolveu um projeto-piloto em parceria com a Fiat para desenvolver tetos efetivamente solares. Cobertos com os painéis, eles permitiram que o carro produza energia mesmo quando desligado, fazendo funcionar as ventoinhas que circulam o ar dentro do automóvel e impedindo que ele esquentasse nos dias de calor. (Infelizmente, com a recessão que se abateu sobre as montadoras, o projeto foi paralisado).
Outro projeto-piloto tem um potencial ainda maior. A empresa está estudando com a Nexa — a mineradora do grupo Votorantim — uma forma de cobrir os lagos de hidrelétricas e de barragens de rejeitos com painéis solares. Hoje, algumas usinas já usam os painéis de silício para esse fim. Mas como eles são pesados, precisam de ‘balsas’ flutuantes que encarecem muito a produção. Com os painéis de plástico, a flutuação se daria em cima de uma camada semelhante aos ‘espaguetes’ que servem de boia para piscinas.
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Mais difícil que imprimir energia é fomentar a tecnologia no Brasil, um País no qual as universidades são separadas do mercado por um fosso abissal.
A Sunew é cria é da FIR Capital, um dos primeiros fundos de venture capital do Brasil. A FIR foi fundada há 20 anos por Guilherme Emrich, o criador da Biobrás, uma fábrica de insulina no interior de Minas Gerais que desafiou as multinacionais e foi adquirida pela Novo Nordisk no fim dos anos 1990. Seu sócio é David Travesso Neto, um executivo veterano do setor elétrico.
A inovação veio já no arranjo societário. A FIR importou o modelo do Centro Suíço de Microtecnologia (o CSEM, um dos maiores hubs de inovação do mundo) e fundou o CSEM Brasil, com capital 100% nacional. Trata-se de um ‘celeiro de ideias’, encubado numa empresa sem fins lucrativos.
O CSEM consegue atrair recursos públicos para pesquisas de entes como BNDES, Finep e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A pesquisa normalmente surge de algum problema trazido pela indústria. Se o projeto de torna viável, a indústria pode desenvolvê-lo e paga royalties para o centro. Se a indústria opta por não levá-lo à frente, mas o CSEM vê potencial, cinde a empresa e torna-se sócio. O lucro das operações realimenta o próprio centro.
A Sunew é seu primeiro spinoff.
O CSEM decidiu investir numa tecnologia para fabricação de OPV em larga escala em 2009. Levantou R$ 40 milhões por meio do Funtec, um fundo do BNDES a fundo perdido voltado para a pesquisa.
O timing era bom. A Konarka, uma fabricante de OPV fundada nos Estados Unidos pelo prêmio Nobel Alan Heeger – um dos papas dos polímeros condutores – estava mal das pernas. Em meio à crise global, o projeto não avançava na velocidade que os sócios, entre eles petroleiras como Total e Chevron e fundos de venture capital, esperavam.
Havia outras pequenas iniciativas no Reino Unido e Alemanha, mas o fundo do CSEM era o maior voltado para o OPV à época e atraiu parte da equipe que trabalhou com o ganhador do Nobel.
Foram quatro anos para desenvolver o design da máquina, mais dois para produzi-la na Alemanha. Em 2015, quando a impressora chegou ao Brasil, a Sunew foi efetivamente cindida. O BNDES exerceu uma opção de compra e hoje é acionista da empresa. O CSEM, a FIR Capital e duas comercializadoras de energia – a Tradener e a CMU – também são sócios, além de um grupo de funcionários. Os investimentos totais, seja via financiamento para pesquisas ou equity, foram de R$ 150 milhões.
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Com a tecnologia ganhando tração, outras empresas começam a olhar com mais carinho para o OPV — mas a Sunew acredita que, mesmo que alguém decida assinar um cheque grande para o setor, ela ainda está na frente.
“Não é só uma questão de capital”, diz Filipe. “Quando alguém quiser investir nisso, vai ter de vir falar com a gente, porque estamos anos à frente no desenvolvimento da tecnologia e o que sabemos mais ninguém sabe”.
Os planos são ambiciosos. “Temos um processo produtivo contínuo, de baixas temperaturas e que usa materiais orgânicos”, diz. “A tendência é que, no futuro, quando ganhar escala, isso vai ser de graça. A monetização vai ser num modelo de ‘energy as a service’.”
A Sunew acredita que pode chegar a um faturamento de R$ 1 bilhão nos próximos cinco anos, e já vê os Estados Unidos e o Oriente Médio — onde o Sol brilha o tempo todo — como novos mercados em potencial.
Engana-se quem acha que o plástico do OPV seria uma tragédia ambiental. O filme orgânico tem uma pegada de carbono 20 vezes menor que os painéis de silício. Produzidos em sua maioria na China – onde a matriz termelétrica é ‘suja’, basicamente formada por térmicas a carvão — é necessário expor o painel ao sol por dois anos para gerar energia que foi consumida no processo produtivo.
E o mais impressionante: nas contas da empresa, a superfície necessária para suprir a energia de todo o planeta equivale a um dia e meio da produção de garrafas para a Coca-Cola.
Abaixo o carro com teto solar desenvolvido em parceria com a Fiat.