Em 2014, César de Freitas Filho e Lorenzo Cartolano passaram por uma das maiores tragédias que alguém pode enfrentar: perderam suas mães para o câncer.
César, que vem de uma família pobre do interior de Minas, acompanhou o tratamento de sua mãe nos corredores do SUS; Lorenzo, filho de um empresário do Rio, viu sua mãe passar pelos melhores médicos e hospitais privados.
Apesar das realidades distintas, os dois identificaram o mesmo problema: a jornada dos pacientes depois que saíam do hospital era mal assistida, prejudicando o tratamento.
“Minha mãe ia para o hospital fazer a quimioterapia, voltava pra casa a 300 quilômetros do hospital e não tinha nenhum contato da equipe de saúde. Se precisasse tirar qualquer dúvida tinha que voltar lá,” lembra César.
O trauma dos dois — que se conheceram por um amigo comum — deu origem à WeCancer, uma plataforma de acompanhamento remoto de pacientes com câncer que acaba de levantar uma rodada de seed money.
O cheque veio da Vox Capital, um fundo de impacto que já investiu em empresas como Sanar e Magnamed (a empresa de respiradores que ganhou visibilidade na covid).
A WeCancer desenvolveu uma plataforma que permite que os médicos de hospitais monitorem o quadro clínico dos pacientes mesmo quando eles estão em casa — algo que parece simples, mas que traz benefícios gigantescos.
Um estudo publicado no JAMA (Journal of the American Medical Association) mostra que o acompanhamento remoto pode aumentar em cinco meses a sobrevida do paciente com câncer e em 26% sua qualidade de vida, além de reduzir o custo do tratamento para o sistema de saúde.
A plataforma da WeCancer tem duas interfaces: o paciente baixa um app, que envia diariamente questionários sobre seu bem estar, qualidade de vida e sintomas, e onde ele consegue tirar dúvidas sobre a doença, receber alertas do horário de tomar os medicamentos, entre outras funcionalidades.
Já a equipe médica tem acesso a um painel de controle que mostra o estado clínico diário de todos os pacientes (com base nos dados ‘inputados’ por eles no app). A plataforma também emite alertas caso algum paciente esteja com um sintoma fora do normal, permitindo que os médicos tomem medidas proativas.
“Como essas pessoas têm acesso limitado às equipes de saúde, normalmente elas acham que qualquer evento adverso é algo sério e vão para o pronto socorro — quando na verdade 70% dos casos são efeitos colaterais da própria quimioterapia,” diz César. “Nossa plataforma ajuda nessa orientação e evita visitas desnecessárias ao sistema.”
O serviço já é usado por hospitais como o Einstein, a Beneficência Portuguesa (BP) e o Instituto de Oncologia do Paraná, que pagam uma assinatura mensal para ter acesso à plataforma. Farmacêuticas como a Roche e a AstraZeneca também são clientes: pagam para oferecer a plataforma a pacientes que usam seus medicamentos de oncologia. (Neste caso, o acompanhamento é feito por uma equipe de saúde da própria WeCancer).
César diz que o app também pode ser usado por pessoas que não são pacientes dessas empresas. Na versão gratuita, no entanto, o usuário não tem acesso à equipe médica da WeCancer e os médicos do hospital onde ele está sendo tratado não têm acesso ao painel de controle.
A WeCancer tem mais de 1,4 mil usuários, 300 dos quais são ativos (usaram o app nos últimos 30 dias).
“É um negócio com um impacto social grande e que tem muitas possibilidades de escalar e monetizar — tanto no câncer quanto entrando em outras doenças,” diz Marcos Olmos, o gestor da Vox.
A capitalização vai ser usada para investir na melhoria da plataforma e no aprimoramento das práticas médicas de assistência à distância. A WeCancer também vai investir em marketing e criar uma equipe comercial para bater na porta dos hospitais e farmacêuticas.
Outros planos: lançar uma versão B2C, que permitiria a um paciente sem ligação com uma instituição-cliente pagar uma assinatura mensal pela versão completa; e entrar no segmento de clinical trials, fornecendo serviços e dados para farmacêuticas que queiram fazer pesquisas clínicas com pacientes de câncer.
“A WeCancer nasceu do amor e da saudade,” diz Lorenzo. “Pode parecer o maior clichê do mundo, mas é uma grande verdade.”