Uma semana depois da reeleição, o clima continua pesado, e o ar, praticamente irrespirável em vastos segmentos do empresariado e do mercado financeiro.
A maioria das conversas começa com lamentos sobre os quatro anos “em que não haverá reformas”, prossegue com queixas em relação ao crescimento pífio que aguarda o Brasil, e termina, invariavelmente, nas divagações sobre o bolivarianismo que nos espreita — os tons de gravidade variando conforme o interlocutor.
E ainda assim, apesar de toda a retórica fatalista, a Bovespa não se jogou do precipício e o dólar sobe de um jeito comportado, em sintonia com seu fortalecimento contra todas as outras moedas.
Não apenas isso, na sexta-feira a Bolsa conseguiu um rali generalizado, que levantou tanto as empresas estatais quanto aquelas que realmente se dedicam a ganhar dinheiro.
Mas como isto é possível? O fim do Brasil já não estava sentenciado? O índice Bovespa não deveria estar nos 45 mil pontos (em vez dos atuais 54 mil)? E o dólar, não deveria estar mais próximo de 2,80 (em vez de 2,50)?
Será que estamos apenas num pitstop a caminho do Inferno?
O mercado financeiro — a mais sofisticada balança de expectativas — é um equipamento sem coloração política, sem fidelidades partidárias, que processa todas as informações disponíveis e cujo ponteiro só pretende apontar uma coisa: o clima para os negócios é favorável ou não? (Se o clima é bom, o capital tem mais chances de ir bem, e a sociedade colhe os benefícios, direta e indiretamente. Quando o clima é ruim, o capital se retrai, e a sociedade colhe PIBinho, desemprego e desesperança.)
Na última semana, as “informações disponíveis” vinham do Planalto e apontavam para um clima mais favorável. Todo o círculo íntimo da Presidente se empenhou na construção de uma narrativa para sinalizar aos mercados que Dilma 2.0 vai, sim, mudar em relação à primeira versão do software — aquela versão lenta, confusa, cheia de bugs, sempre ameaçando os jogadores com um ‘system shutdown’.
As peças dessa nova narrativa incluem a promessa de um ajuste fiscal “violentíssimo” (no adjetivo fornecido por uma fonte — provavelmente palaciana — à repórter Claudia Safatle, do Valor) e o vazamento de uma lista de nomes sacrossantos para o Ministério da Fazenda (de São Trabuco ao padre Meirelles, passando pelo que parece ter mais chances, o beato Barbosa). Para terminar, uma pitada de juros e a iminência de um aumento da gasolina.
Obviamente, essa ‘narrativa da esperança’ encontrou terreno hostil: uma terra árida, chamuscada pela seca de credibilidade dos últimos quatro anos, e tornada ainda mais estéril depois de uma campanha que satanizou o capital. Mas, como é típico da esperança, ela ainda assim vingou, e hoje floresce no preço dos ativos. A Bovespa fechou sexta-feira quase 12% acima do ponto mínimo atingido na segunda-feira pós-reeleição.
Mas mesmo as melhores profissões de fé têm prazo de validade, e precisam ser corroboradas por atos congruentes com a retórica.
É por isso que esta semana será particularmente crítica. É improvável que o novo velho Governo, em busca de reverter um divórcio que já parecia fato consumado, consiga manter a empatia dos mercados apenas prometendo levantar a tampa do vaso da próxima vez.
Há, também, o problema da assimetria entre o dito e o feito. Agora que as expectativas foram elevadas, o custo de uma decepção seria enorme. Tomara que o Governo entenda que, se houver recuo, todo o esforço feito até agora na construção dessa narrativa se voltará contra ele, produzindo um buraco negro de credibilidade que engoliria qualquer resto de boa vontade daqui para frente. Até a capacidade do Planalto de testar ‘balões de ensaio’ seria comprometida, o que diminuiria a capacidade do Governo de lidar com crises na economia. A hora é de entregar.
Mas o que será que uma Presidente que acredita profundamente em política industrial e que, bizarramente, segue o modelo econômico da ditadura que combateu conseguirá entregar a um País eternamente em crise de abstinência de uma dose cavalar de capitalismo na veia?
A média dos economistas ortodoxos diz que, para colocar o tripé macroeconômico nos eixos, o Brasil precisaria de um superávit primário de 3% do PIB em 2015 e de um ciclo de aperto monetário que aumente a Selic entre 2 e 3 pontos percentuais a partir dos níveis atuais.
Este seria o cenário ideal, o da cartilha, e portanto improvável no País do ‘acochambramento’, do ‘puxadinho’, do ‘dar um tapa’. “Aqui a gente não faz tudo o que precisa ser feito, mas também não aceita que se faça nada,” diz um amigo da coluna. Fazemos sempre algo entre o nada e o ideal. Fazemos aquilo que chamamos, com magna condescendência, de ‘o possível neste momento’.
Assim, provavelmente, o Governo vai acabar se comprometendo com um superávit mais tépido, entre 1,5% e 2% do PIB, e o Copom subirá a Selic entre 1,0 e 1,5 ponto percentual. E os mercados ainda assim vão dar aleluias porque, além dessa esperança cuidadosamente manufaturada, ironicamente o maior ativo do Governo Dilma neste momento é o baixíssimo nível de expectativas em relação à sua capacidade de fazer a coisa certa.
A boa notícia, a se acreditar nesta tese, é que nunca nos tornaremos um País bolivariano. Mas daí a implantarmos um capitalismo de verdade, aí também já seria pedir demais.