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Do ponto de vista das contas públicas, em vez de “Ordem e Progresso,” o lema da bandeira nacional deveria ser: “Farinha pouca, meu pirão primeiro.” (Se você tem menos de 20 anos, pergunte a sua avó o que isto significa.)

Mobilizada para achar um caminho para o ajuste fiscal em meio ao esfarelamento do Governo, uma parte do empresariado parece ter encontrado uma solução relativamente simples: bastaria acabar com as desonerações fiscais, aquelas leis que fazem a Receita Federal abrir mão de arrecadar certos impostos em prol de algum objetivo sempre nobre e elevado.

Em 2014, segundo dados da Receita, o total de impostos que deixou de ser recolhido em virtude de todas as desonerações que existem no País chegou a 209 bilhões de reais.

Joaquim Levy Para se ter uma ideia, este é o nível de corte de gastos necessário para que o Governo tenha um superávit fiscal de 2% do PIB em 2018 — um cenário em que nos salvaríamos todos da bancarrota a conta-gotas.

Numa entrevista ao Estadão de ontem , Josué Gomes da Silva, um dos empresários mais próximos do Planalto — fez uma defesa inequívoca da volta dos impostos ora suspensos, a ‘reoneração’. “Num passado recente, tínhamos cerca de 3,6% do PIB em isenções,” disse o CEO da Coteminas. “Isso cresceu nos últimos quatro anos para coisa de 4,9% do PIB em isenções. Talvez a gente tenha que voltar para o nível de 3,6% do PIB.”

Mas ao colocar uma lupa sobre as desonerações, empresários, investidores e analistas verão que, se é fácil falar em trazer de volta os impostos, outra coisa é fazer.

Veja a lista das maiores desonerações fiscais do País — e entenda quem ficaria contrariado se mexerem no seu queijo.

1. O Simples. O regime tributário simplificado para empresas de pequeno e médio porte — criado no Governo FHC e expandido a partir de 2006 — começou raquítico e se tornou, com o tempo, a mais musculosa renúncia fiscal da União, passando de 5,45 bilhões de reais em 2003 para 67,2 bilhões de reais em 2014. Ou seja, a renúncia do Simples aumentou mais de 12 vezes, um crescimento real de 58% em quatro anos.

Reduzir o Simples é aumentar a taxação de milhões de microempresários e mexer no bolso da classe média. Quem se habilita? Em tempo: com os investidores cada vez mais apavorados com a fragilidade das contas públicas, na semana passada o Congresso resolveu dar (mais) uma mãozinha para ajudar o fogo a se alastrar. Na terça à noite, a Câmara aprovou o aumento do teto do Simples. Hoje, para ser incluída no programa, uma empresa pode faturar até R$ 3,6 milhões por ano. Pelo projeto, esse teto sobe para R$ 7,2 milhões em 2017. (E, para alguns setores, passará a ser de R$ 14,4 milhões em 2018.)

A medida aprovada gera um custo adicional de 11 bilhões de reais por ano a partir de 2017.

Você deve estar pensando: “Com certeza, mais uma batalha que o Governo perdeu na House of Cunha.” Tolinho… O projeto de lei foi encaminhado ao Congresso pelo Executivo, onde o Ministro Guilherme Afif Domingos — um apaixonado pelo assunto — resolveu que essa é a melhor hora para se alargar o buraco no casco do Titanic.

2. Desoneração da folha de salários. Essa conta chega a 22 bilhões de reais por ano. Com muito esforço, Joaquim Levy conseguiu reverter essa desoneração parcialmente, em 10 bilhões de reais. Mas a forma como tudo aconteceu é uma pequena aula sobre como se fazem as coisas no Brasil: a FIESP queria que a reoneração da folha fosse linear (igual para todo mundo), mas o PMDB da Câmara introduziu exceções para beneficiar alguns setores…

Em outras palavras: criou-se um benefício dentro da reversão do benefício. Vai, Brasil.

3. Desoneração da cesta básica. Essa medida custa quase o mesmo que a desoneração da folha: 21 bilhões de reais por ano. Em 2013, o Governo Dilma zerou todos os impostos federais incidindo sobre a cesta básica. Foi mais um ato magnânimo de quem se preocupa com os pobres, e mais um exemplo de medida que, ao fragilizar as contas públicas, acabou gerando inflação e desemprego, anulando os benefícios desejados e prejudicando quem se pretendia ajudar. Mas quem, hoje, vai colocar o guizo no gato — ou o imposto de volta na cesta?

De acordo com o economista Mansueto Almeida, estas foram as três desonerações que mais cresceram no Governo Dilma I, custando à União 67,9 bilhões de reais a mais por ano, ou 1,2% do PIB de 2014.

Os próximos itens da lista (veja tabela abaixo) são a renúncia fiscal das “entidades sem fins lucrativos”.   Quem vai mexer com as igrejas, ainda mais na era do ‘glorifica’?  Aliás, graças a seu crescente ativismo no Congresso, igrejas e pastores recentemente conseguiram outra bênção, quando os deputados aprovaram a ‘Bolsa Bispo’.

Outros itens são os “rendimentos isentos e não tributáveis”, como dividendos pagos aos investidores; e as “deduções do rendimento tributável”, ou seja, tudo aquilo que a classe média ‘abate’ no imposto de renda, como despesas com médicos e educação dos filhos.

Mexer nesse vespeiro faria a cabeça de qualquer político explodir. O Governo não tem o capital político, e a oposição, nenhum incentivo para fazê-lo.

Os empresários bem-intencionados terão que continuar procurando uma boa ideia.

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