A epidemia de coronavírus faz explodir as demandas por socorro, mas os recursos são escassos. Escolhas precisam ser feitas, não apenas de quem será socorrido, mas a melhor forma de fazê-lo.
Algumas prioridades são óbvias, como garantir a subsistência de vulneráveis. Mesmo assim, o dinheiro ainda não chegou por conta de toda sorte de dificuldades operacionais e legais.
Se algo que deveria ser resolvido rapidamente é tão complicado, imagine as várias batalhas que teremos pela frente.
É nesse contexto de restrições fiscais e dificuldade de implementação de políticas públicas que o Banco Central busca maior protagonismo, valendo-se da experiência do chamado relaxamento quantitativo (“QE”) conduzido pelo Fed e pelo Banco Central Europeu desde a crise de 2008.
Vale lembrar que medidas administrativas já foram tomadas para ampliar o espaço para os bancos emprestarem. Não são, porém, garantia de aumento de empréstimos, devido ao elevado risco de crédito e da baixa capacidade de executar garantias no País decorrente de decisões do Judiciário – algo que já preocupa e precisa ser monitorado. E tudo que o Brasil não precisa é de uma crise bancária porque os bancos rasgaram os manuais.
O BC pleiteia, pois, a autorização para comprar papéis de dívida privada no mercado secundário, em situação de emergência, por meio de uma emenda à Constituição. Não se trata de aquisição direta de dívida emitida pelas empresas, mas sim a dívida contida no balanço, por exemplo, dos fundos de investimento.
Na crise de 2008, o objetivo dos bancos centrais de economias avançadas era corrigir disfuncionalidades do mercado de crédito e evitar uma crise sistêmica – quebra em cadeia de bancos -, posto que, muito alavancados, os bancos carregavam passivos “podres” de empresas.
A situação do Brasil é muito diferente. A questão aqui é socorrer empresas, sendo que a aquisição desses papéis não implica necessariamente maior espaço para novas emissões. Apenas dará alívio aos investidores que adquiriram esses papéis. Salvar investidores não é função do BC e nem prioridade de governo. Precisamos aceitar que ficamos mais pobres.
É importante manter o BC distante das pressões do setor privado, que são muitas.
É verdade que, com o crescimento do mercado de capitais nos últimos anos, o reforço ao crédito bancário poderá não ser suficiente para a travessia das empresas durante a crise. Talvez seja o caso de o BNDES entrar provendo garantias a novas emissões.
Outro pleito do BC é poder adquirir títulos da dívida pública no mercado secundário, visando conter o aumento das taxas de juros longas de mercado e, assim, o custo do crédito. A eficácia dessa medida, no entanto, será muito limitada, pois tudo joga contra: a aversão a risco elevada, o ambiente de incertezas na economia e a fragilidade fiscal. O máximo que conseguiria seria conter momentos de maior distorção de preços, o que pode ser feito pelo Tesouro Nacional.
Na experiência mundial, as várias frentes de ação dos bancos centrais ajudaram a conter a quebradeira de bancos, mas não impediram o aumento substancial do custo do dinheiro na fase aguda da crise.
Passada a turbulência, o QE passou a ter como objetivo estimular a economia, pois não havia mais espaço para o corte de juros básico e havia risco de deflação. Os juros longos cederam com o tempo, refletindo não apenas a excessiva liquidez mas também a perspectiva de juros básicos baixos por muito tempo, o esforço fiscal (na Europa) e a fraqueza da economia mundial gerando maior demanda por ativos menos arriscados.
As preocupações do BC são pertinentes. Crédito apertado e caro reduz a eficácia de sua política monetária. No entanto, as medidas propostas seriam mais adequadas para conter uma crise financeira – que não está ocorrendo – do que para socorrer empresas e empregos.
Como agravante, o BC não tem independência formal e nosso histórico inflacionário atrapalha. Pode-se abrir um precedente perigoso.
Há trabalho sério a ser feito em várias frentes: saúde, socorro aos vulneráveis e sobrevivência de empresas. Dar poderes adicionais ao BC, ainda que temporariamente, não parece ser boa prescrição.
Zeina Latif é consultora econômica.