A polarização política está matando a capacidade da sociedade brasileira de reagir unida e coordenada à crise do outro vírus.

Para quem não sabe, o Ministro da Economia e o Presidente da Câmara não se falam diretamente há um mês.

Já o Presidente da República hoje em dia fala diretamente com apenas dois ou três governadores, enquanto os outros 23 buscam interlocutores em outras áreas do Governo, onde há gente muito bem intencionada, mas sem o poder da caneta.

É irônico que, no País que fez uma catarse nos últimos anos falando mal da ‘velha política’, a velha — noves fora a corrupção — nunca fez tanta falta.  Seria apenas irônico, se também não fosse trágico.

A hora exige diálogo, saber escutar e capacidade de articular.

Não nos iludamos: enquanto o setor privado passa a semana inteira tentando salvar os balanços das empresas, o País está perigosamente à deriva.

Uma guerra exige união, e estas não são só palavras bonitas.  A união é condição essencial para o País se coordenar, se ajudar, para alocar os custos da crise junto a quem mais pode e aliviar tempestivamente quem mais precisa.  A união cria e sustenta um ecossistema de cooperação em que as melhores ideias dão um passo à frente, são reconhecidas e adotadas, enquanto o interesse político, pessoal e partidário é colocado em escanteio até que a vida volte ao normal.

Muito dano já foi feito, mas ainda há tempo de corrigir o rumo.  Cada empresário tem poder de influência; cada deputado e senador tem a capacidade — o dever! — de olhar além de seu interesse mais imediato ou paroquial.  Cada editor de veículo tem o poder de pautar o País de uma forma construtiva; cada cidadão tem alguém a quem convencer.

Pela sua incapacidade de falar a todos e governar para todos, a Presidência da República está, para todos os efeitos práticos, fora de combate.  O Presidente gasta seu tempo produzindo soundbites na entrada e na saída do Palácio, e em visitas fotográficas para demonstrar proximidade com o povo.

Já o presidente da Câmara foi forçado ao papel de primeiro-ministro de fato, na medida em que as demandas da sociedade hoje se direcionam antes ao Congresso que ao Planalto.  

Com sua ponte com Rodrigo Maia dinamitada, Paulo Guedes passou a semana se reunindo com bancadas de diversos partidos, segundo relatos de alguns deles.   O ministro trabalha duro mas seu processo é ineficaz:  a mediação de uma Casa Civil política e o restabelecimento de relações com a presidência da Câmara facilitariam o processo e seriam de muito mais serventia ao País.

Os governadores — que querem resolver todos os seus problemas num grande pacote de ajuda — precisam botar a mão na consciência.  Deve ser lindo morar num País em que os estados voltaram magicamente à solvência ao custo de quebrar a União.

No ano passado, o Brasil conseguiu um feito enorme: aprovamos uma reforma da Previdência que vai economizar R$ 800 bilhões ao longo de 10 anos.

Na França, nem um Emmanuel Macron muito articulado e com ampla maioria no Congresso conseguiu fazer o que o Brasil fez.

E como conseguimos?

Primeiro, através de um debate exaustivo na sociedade, e segundo, com dois elementos que faltam agora:  um experiente interlocutor político — Rogério Marinho, hoje ministro — e os presidentes da Câmara e do Senado em contato diário e construtivo com o Ministro da Economia.

De lá para cá, o que poderia ser um mapa para as negociações das outras reformas foi comido pela traça da polarização no armário da intolerância.

Pouco depois da virada do ano, tivemos a Guerra das Emendas Parlamentares.  Ela começou como uma escaramuça, mas logo evoluiu quando o Presidente chamou o povo para a rua porque o Congresso supostamente estava lhe “usurpando” poderes.  

O fato é que a distância entre os Poderes aumentou — num momento em que precisamos construir pontes e fortalecer canais.

Ao que consta, o Planalto está ocupado por militares com um profundo senso de dever e vontade de acertar, mas esta crise, apesar de ser uma guerra, não precisa de um Caxias, precisa de Política.  Política:  a arte de propor, ouvir uma outra ideia, ceder em algo para avançarmos juntos.

Os militares são treinados em estratégia e planejamento, mas a carreira da caserna nunca lhes exigiu “sentar e negociar”.  

Ainda assim, talvez só eles possam trazer todos os donos de caneta e voto para a mesa que pode salvar o País.