Em apenas 30 segundos, o Governador Eduardo Leite pode ter transformado o que era visto como seu grande calcanhar de Aquiles numa demonstração de coragem e força.
Suas declarações a um programa de televisão elevaram seu perfil nacional, mudaram para sempre a conversa sobre costumes no País, e podem ter repercussões em 2022.
“Eu sou gay,” disse o Governador, em palavras que ficarão na história. “E sou um governador gay, não sou um ‘gay governador’ — tanto quanto Obama nos Estados Unidos não foi um ‘negro presidente’; foi um presidente negro. Tenho orgulho de poder aqui dizer sobre a minha orientação sexual — quem eu sou — embora devêssemos viver num país em que isso fosse uma não-questão.”
Nunca um político brasileiro de tão alta envergadura havia se declarado gay publicamente — e às vésperas de uma campanha presidencial na qual ele é um provável candidato.
Ao assumir o risco político em nome de sua verdade pessoal, o Governador produziu o exemplo de transparência e honestidade que o Brasil tanto diz desejar.
Mais: tornou-se o primeiro ‘role model’ na alta política para os adolescentes gays que vivem o drama do preconceito e da rejeição — muitas vezes dentro da própria família — e que muitas vezes levam à situação de rua, ao suicídio ou a uma lâmpada na cabeça.
A autoafirmação de Eduardo Leite também contrasta com aqueles setores da classe política que usam conceitos arcaicos de religião e família para traficar ideias capengas de moralidade.
Ideias, aliás, cada vez mais problemáticas.
Apenas uma semana atrás, um apresentador da Rede TV! disse em rede nacional que gays “não têm filhos, não reproduzem, precisam de tratamento, querem acabar com a família” e, finalmente, são uma “raça desgraçada” da qual ele tem “nojo”.
Uma semana antes, o mesmo apresentador brincou: “Já pensou, ter um filho viado e não poder matar?”
Felizmente, quase 30 empresas já abandonaram esse show de horrores, recusando-se a associar suas marcas com os apologistas da barbárie.
Ninguém sabe exatamente o tamanho deste Brasil das cavernas — aquele que prefere nutrir o ódio em vez de amar as pessoas — mas Eduardo Leite preferiu apostar no senso de decência e na propensão evolutiva dos brasileiros.
Os falsos profetas regurgitam ideias antigas e pregam a volta a um passado ideal — que de ideal quase nada tem.
Já um verdadeiro líder recorre ao passado apenas para iluminar o caminho à frente. Quando não arrasta multidões, pelo menos planta uma semente poderosa.
Em 1981, Ney Matogrosso gravou Homem com H, uma música genial que brinca com a ideia de masculinidade com que boa parte do Brasil foi criado. Quarenta anos depois, apesar de todo o progresso, os verdadeiros ‘homens com H’ continuam sendo os que precisam enfrentar o ódio e o preconceito para serem fiéis à sua essência.
E esta coragem, caro leitor — a um custo pessoal tão alto e difícil de achar — é a matéria-prima da qual são feitos os líderes.