Na última vez que uma campanha presidencial brasileira flertou com o esgoto e fez embrulhar o estômago, a vítima se chamava Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 1989, Lula sofreu uma violência inédita quando, às vésperas do segundo turno, Fernando Collor de Mello colocou no ar uma ex-namorada de Lula afirmando que o petista lhe pedira para fazer um aborto.
No dia seguinte, um Lula abatido e ainda desorientado apareceu no ar, ao lado da filha Lurian, então com 15 anos, e afirmou que a menina foi fruto de um ato de amor. (Miriam Cordeiro, a ex, também afirmou que Lula, já casado, quis reatar o relacionamento com ela. Disse que Lula era racista. Disse o diabo. Depois, uma assessora de Collor disse à Folha que a campanha do alagoano havia pago a Cordeiro pelo depoimento.)
Talvez pelas sequelas deste episódio no que resta de decência na política brasileira, por muito tempo o mundo político decidiu que era melhor não avançar alguns sinais. Lula contra Serra, Lula contra Alckmin, Dilma contra Serra — tudo transcorreu com civilidade, com as campanhas debatendo as diferenças programáticas e as picuinhas do varejo.
Até que, este ano, algo novo aconteceu.
Um Lula sentado no banco de reserva quis entrar em campo.
Um Lula curado de um câncer na garganta decidiu contraintuitivamente que, se a vida lhe deu uma nova chance — opa! — era a hora de testar limites éticos que ele não havia visitado antes.
Lula, que um dia encarnou o ‘Lulinha paz e amor’, criou um novo personagem, o ‘Lulão Tiro, Porrada e Bomba’ (na frase celebrizada por Valesca Popozuda), e partiu para a guerra — um microfone na mão e mil mentiras na cabeça.
A vítima de 1989 se tornara algoz.
Neste novo script, não há espaço para a lógica. Sexta passada, num comício em Belo Horizonte, Lula perguntou “onde estava Aécio quando Dilma estava presa por lutar contra a ditadura”? Não importa que Aécio tinha sete anos.
Neste novo script, não se respeitam fatos históricos que só deveriam ser comparados com outros se você tiver a certeza de que não vai apequenar a História ao fazê-lo.
“Estão agredindo a gente como os nazistas agrediam no tempo da 2ª Guerra Mundial,” Lula disse, referindo-se aos tucanos, ontem à noite no Recife.
Os paralelos se estendem à Bíblia, preferencialmente se der pra usar uma passagem que envolva derramamento de sangue de inocentes. Para Lula, os tucanos “são mais intolerantes que Herodes, que mandou matar Jesus Cristo quando ele nasceu com medo de ele virar o homem que virou.”
Lula chama Aécio de ‘filhinho de papai’ e ‘vingativo’ e diz que o adversário bate em mulher: “A tática dele é a seguinte: vou partir para a agressão. Meu negócio com mulher é partir para cima agredindo”.
Por fim, compara Aécio a Collor, o homem que expôs sua filha, seu casamento, sua intimidade, e que agora é seu aliado.
João Santana, o marqueteiro de Dilma, não veio ao mundo a passeio. Já elegeu seis presidentes, e usa pesquisas qualitativas para saber o que seu cliente deve dizer, que cor de vestido usar, e quando posar de vítima. (Ao contrário das pesquisas quantitativas do Ibope e Datafolha, as qualitativas são feitas junto a pequenos grupos de pessoas, representativas do segmento do eleitorado que se quer conquistar.)
Nas últimas semanas, como resultado desses ataques, a taxa de rejeição a Aécio cresceu, e muita gente já diz que o marqueteiro do PT é o gênio da raça. Mas devagar com o andor que o Santana é de barro.
Se um boxeador ganha uma luta dando socos abaixo da cintura, o reconhecimento (e o cinturão) são dele? O público dirá: “Esse cara é bom” ?
O problema de Santana é que, se as cobaias de suas pesquisas qualitativas concordarem com a tese de que “reduzir a inflação para 3% aumentará os casos de câncer,” esta nova ‘oncologia econômica’ logo brotará dos lábios de Dilma, ou de Lula. É o marketing do custe o que custar, afinal, escrúpulos de consciência são um luxo da burguesia.
Quando Marina Silva disse estar estarrecida diante do ‘marketing selvagem’, muita gente achou sua postura ingênua, de quem ‘deveria saber como as coisas funcionam’. Mas nos últimos dias, o bom senso sugere que Marina estava com a razão.
“O marketing é uma ferramenta,” disse ela às Páginas Amarelas de VEJA. “A sociedade não pode votar no marqueteiro, não é ele que vai governar. Eu tomei uma decisão: vou ganhar ganhando, não vou ganhar perdendo, ou seja, fazendo o mau combate.”
Talvez o Brasil não esteja pronto para Marina Silva e sua civilidade, e prefira mesmo tiro, porrada e bomba.
Enfim: um governo João Santana.