A analogia entre empresas e seres humanos apareceu pela primeira vez na literatura quando o economista François Quesnay, pai do pensamento fisiocrata e que também era médico, comparou os fluxos financeiros aos sanguíneos em seu ‘Tableau économique’ no século XVIII.
O capitalismo evoluiu muito desde Quesnay, mas a analogia feita por ele atravessou os séculos e hoje está no cerne de qualquer abordagem séria sobre modelo de negócios e seus impactos na estrutura de capital.
Sempre que discutimos esta questão com acionistas e gestores, a analogia com a saúde humana ajuda a colocar todos na mesma página.
Geralmente, o primeiro desafio a vencer é a ideia corrente — e errada — de que as questões financeiras não são parte integrante da discussão estratégica e de modelo de negócios. A área financeira é frequentemente vista como “atividade de apoio”, o que leva a estratégia financeira a não receber a devida atenção.
Essa vulnerabilidade costuma vir à tona em momentos de transição: uma mudança no cenário econômico ou competitivo, uma fusão, ou qualquer outra alteração da normalidade que afeta diretamente a estrutura de capital.
O diagnóstico financeiro é o primeiro passo para apreciar os efeitos deste período de transição sobre a companhia, analisando os impactos das diversas atividades no resultado da empresa, e não se limitando apenas a uma avaliação da parte financeira.
É como um exame de sangue, cujo objetivo não é fazer descobertas sobre o sangue em si, mas permitir ao médico avaliar o funcionamento de diversos órgãos do corpo. Frequentemente, os sinais de alerta do exame indicam medidas ou exames adicionais que sequer tem relação direta com o sangue.
Gestores e acionistas que se deparam com situações de endividamento dramático não compreendem claramente a relação entre a estrutura de capital e as atividades operacionais. Quando uma empresa se endivida mais que o desejado e não prioriza a gestão das atividades financeiras, é comum escutarmos a pergunta: “Como resolvo este problema financeiro da dívida para que ele não atrapalhe o meu negócio?” Como se estas coisas não fossem diretamente relacionadas.
É uma reação compreensível. Quando um filho está com febre alta, tudo o que queremos é uma solução imediata para que a temperatura abaixe.
Mas assim como a febre, o endividamento de uma empresa pode ser apenas consequência, e não a causa. O diagnóstico da doença é frequentemente mais complexo do que apenas o tratamento do sintoma. Se a doença não for tratada, a febre retorna após o antitérmico.
Quando uma empresa não planeja de forma estratégica sua estrutura de capital e seu nível de endividamento, as consequências podem ser dramáticas. Na prática, muitas empresas usam o mercado de crédito de forma desestruturada, sem nenhum planejamento estratégico, e, pior, confundem os conceitos de alavancagem e endividamento.
De forma simplista, até um certo nível de endividamento, quanto maior a dívida — com o aumento da despesa financeira resultando numa base tributária menor — maior é o retorno dos acionistas.
Entretanto, o ponto ótimo de alavancagem não é fácil de ser atingido na vida real, já que os resultados da empresa são imprevisíveis. Quanto mais volátil for o negócio, maior a probabilidade que a dívida seja inferior ou superior ao ponto ótimo. Mas, quanto maior o endividamento, pior será a qualidade de crédito da companhia e, cedo ou tarde, maiores serão os juros pagos. Infelizmente, dívida em excesso não é alavancagem — é só dívida mesmo.
A cura implica um tratamento intensivo: se a empresa não for capaz de se reequilibrar aumentando a geração de caixa operacional, vendendo ativos, recebendo novos empréstimos ou se capitalizando, terá de reestruturar seu passivo financeiro.
A prevenção dos problemas, no entanto, é questão de bom senso: geração de caixa e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém.