Primeiramente, a Embraer é uma empresa de tremenda importância histórica, tendo ajudado na criação do segmento de aviação regional com o lançamento do Bandeirante, um avião turboélice de 19-21 lugares, que teve enorme sucesso no mercado americano. Depois do Bandeirante, outro sucesso foi o Brasília, nos anos 80. Depois disso, a Embraer entrou num longo período de declínio e erros estratégicos, que culminaram em sua privatização nos anos 90. Após uma forte injeção de capital pelos novos sócios, a empresa voltou às origens e novamente acertou na mosca com seu jato regional, o ERJ. Sonhando ainda mais alto, a Embraer concebeu o E-Jet, uma família de jatos regionais maiores, com capacidade de 70-140 passageiros.
No entanto, esse volume de investimentos não é garantia de sucesso e representa um grande risco para a empresa. Vale notar que o ciclo de vida de produtos na aviação regional se provou bem mais curto que no segmento comercial onde a Boeing atua. Por exemplo, a demanda efetiva por jatos de 35-50 lugares, responsáveis pelo renascimento da empresa nos anos 2000, praticamente desapareceu após poucos anos de produção. Compare-se isso ao ciclo de produção do Boeing 737, em produção desde os anos 60, e vemos significativas diferenças nos negócios da Embraer e da Boeing.
Mas e aí? A Boeing pagou barato pela posição de mercado da Embraer? Para responder isso, vamos analisar algumas particularidades da indústria e o próprio valuation da Boeing em US GAAP (a contabilidade americana), que difere materialmente do IFRS (a contabilidade internacional), usado pela Embraer.
A média do guidance da Boeing leva a um EV/EBITDA 2018 de 15,4x para a empresa. Já o ponto médio do guidance em IFRS da Embraer leva a um valuation de 9,6x. Apesar do desconto aparente nesses múltiplos, existe mais por trás desses números. Em primeiro lugar, como mencionado anteriormente, a Boeing reporta seus lucros em US GAAP, enquanto a Embraer, mesmo tendo suas ações listadas em Nova York, fez a opção de reportar em IFRS.
No caso da Embraer, que vem investindo pesado em desenvolvimento, essa diferença de US GAAP para IFRS é significativa. Estimamos que o lucro operacional 2017 de US$ 329 milhões, reportado em IFRS, teria sido somente US$ 63 milhões em US GAAP. Laranjas com laranjas, esses ajustes sobre o guidance da Embraer para 2018 mostrariam que a ação está negociando a um múltiplo EV/EBITDA 2018 bem maior: 15x. Assim, em linha com o valuation da Boeing.
Portanto, considerando a atual situação da Embraer e a necessidade da empresa de investir em sua linha de produtos, parece, à primeira vista, que o preço proposto pela Boeing é justo, especialmente considerando o valuation da empresa pré-transação.