O rali que está impulsionando as ações dos frigoríficos ainda pode ter algum fôlego.
Além da intensidade e da duração da crise sanitária que já matou 20% do plantel de porcos da China – o maior mercado consumidor do mundo –, há dois fatores que podem jogar a favor de JBS e BRF.
O primeiro é cíclico: o comportamento dos preços dos grãos, base da ração e a principal linha de custo dos frigoríficos. O segundo é uma opcionalidade: o avanço de um acordo comercial entre a China e os Estados Unidos.
A gripe suína africana, que se provou epidêmica neste ano, já fez o preço da carne de porco disparar mais de 20% na China e cerca de 30% nos Estados Unidos e no Brasil. Mas a coisa ainda pode piorar: as autoridades chinesas já falam em aumento de 70% no preço do porco no segundo semestre, segundo a Reuters.
O Rabobank, referência quando o assunto é agropecuária, já estima que a queda na produção chinesa pode variar entre 25% e 35% e novos casos de contaminação vem sendo reportados no Sudeste Asiático, com um foco já confirmado na Ucrânia.
Num setor de margens apertadas, qualquer aumento de preço significa uma injeção de rentabilidade – e ainda há espaço para aumento no volume de exportação.
A China responde por metade do consumo mundial de carne suína, e tradicionalmente quase 100% de sua demanda é abastecida pela produção doméstica.
Tudo isso explica porque as ações da JBS sobem mais de 60% e as da BRF, quase 30% desde o início do ano.
A grande questão é em quanto tempo o mercado de carne vai se ajustar – e é aí que a porca torce o rabo.
A turma dos vendidos aposta que o movimento é conjuntural e que, ainda que a crise seja grave, a normalização da oferta deve acontecer em dois a três anos – o que já estaria embutido no preço das ações.
A favor dessa tese há um precedente: o episódio da doença da Orelha Azul, outra epidemia que assolou os porcos chineses entre 2006 e 2008.
Naquela ocasião, a mortalidade do rebanho foi menor: cerca de 8%. Os preços de todas as proteínas dispararam – o frango chegou a subir quase 50% – e voltaram ao normal dois anos depois.
Já os comprados apostam que a coisa agora é mais séria e pode levar a mudanças estruturais no mercado, notadamente um acesso mais perene dos grandes frigoríficos à China.
O Morgan Stanley, por exemplo, estima um aumento de 10% a 20% no EBITDA da JBS em 2019 e 2020 por conta do aumento de preços e outros 3% a 4% no longo prazo por conta de aumento de volumes.
Com as novas premissas, o preço-alvo saltou 46%, para R$ 20,50; hoje, a ação negocia a R$ 19. No cenário mais otimista, com o macro ajudando no Brasil e nos Estados Unidos, o banco estima que o papel vale R$ 25.
É consenso que a JBS é uma das empresas mais bem posicionadas do mundo para se aproveitar da fraqueza da oferta chinesa.
A companhia produz todos os tipos de proteína, em quatro continentes, e está com a operação redonda, apesar da crise de governança nos últimos anos. Além disso, tem capacidade ociosa em frangos e suínos e poderia atender um aumento razoável da demanda sem investimentos adicionais.
Donald Trump também pode dar uma forcinha. Boa parte da produção de porcos da JBS vem dos Estados Unidos – e a carne de porco americana tem uma sobretaxa de 60% para entrar na China.
A expectativa é que, com a inflação da carne pesando sobre o país, Beijing decida incluir o setor nos acordos comerciais que vêm sendo negociados com os Estados Unidos. Fontes do governo americano já adiantaram à Reuters que há expectativa de avanços nesse sentido.
Há um fator mais cíclico que ainda não está no consenso, mas voa abaixo do radar: a possibilidade de uma queda no preço do milho e da soja – ocasionado justamente por conta da redução expressiva no plantel chinês. (A maior parte das importações de grãos do país ocorre para atender a demanda por ração animal.)
A Merrill Lynch estima que a febre africana pode reduzir a demanda por grãos no mercado global em até 33 milhões — o que equivale a 2% da demanda mundial e 10% das importações globais de grãos. Isso, associado a um clima favorável para a safrinha de milho no Brasil, pode puxar os preços para baixo, injetando rentabilidade nos frigoríficos.
Um acordo entre Beijing e Washington também tem a contribuir nesse sentido: a soja americana está sendo sobretaxada em 25% e se a tarifa cair, há espaço para mais acomodações de preços no mercado mundial.
O ganho, nesse caso, seria mais pronunciado para a BRF, que tem uma cadeia totalmente integrada – ou seja, cuida das galinhas e dos porcos desde a granja – e um problema de alavancagem.
Ainda que as posições short (apostando na baixa da BRF) tenham diminuído, boa parte do mercado ainda atribui um desconto ao papel porque considera que a companhia precisará de uma capitalização para equacionar sua estrutura de capital.
Uma forte redução da alavancagem, portanto, faria a ação subir.
Resta saber se a companhia já conseguiu resolver suas questões internas para finalmente se beneficiar do ciclo favorável – uma expectativa que recentemente se frustrou entra ano e sai ano.