Em um prédio de 243 micro apartamentos na Vila Olímpia, 350 jovens experimentam um novo jeito de morar.
Os apartamentos de 23 m2 a 44 m2 são decorados, mas nenhum tem sala de estar, de jantar, ou lavanderia: tudo é compartilhado na área comum do prédio, que conta ainda com lounges, academia, espaço de coworking, wifi, tv a cabo e porteiro 24 horas.
A convivência nas áreas comuns é tanta que de lá já saiu até uma empresa de audiovisual – fundada por dois moradores que se conheceram em evento de networking.
O Kasa 99 foi inaugurado pela Gamaro há menos de um ano e está com 90% dos apartamentos locados (a R$ 3.050 por mês). É um dos primeiros empreendimentos co-living no Brasil – um jeito de morar que cada vez mais atrai os millennials no mundo todo.
Moradias comunitárias não são exatamente uma novidade: que o digam os hippies e as repúblicas estudantis. Mas agora, o mercado imobiliário está transformando a coisa num produto.
A bem da verdade, ainda não está claro o quanto os co-livings refletem simplesmente a busca por um estilo de vida mais despojado e ‘cool’ – ou apenas a falta de recursos dos millennials, que os empurra para os imóveis compactos.
Nos EUA, com os preços dos imóveis nas alturas e os jovens adiando a formação de famílias, a Cushman & Wakefield estima que a oferta de unidades de co-living deve triplicar nos próximos dois ou três anos.
O próprio WeWork já capturou a tendência e adaptou seu modelo para o mercado residencial criando a WeLive, que já está em Nova York e Crystal City, na Virgínia, a cidade que vai receber o segundo HQ da Amazon. Seattle é o próximo destino.
Outra startup desbravando o nicho é a Ollie, mais upmarket e cujos serviços se parecem mais com uma hotelaria de longa permanência – o inquilino não precisa levar nem lençol ou xampu. A maioria dessas empresas só opera os empreendimentos.
Em São Paulo, esse tipo de prédio começou a aparecer com mais força há cerca de cinco anos, após mudanças no plano diretor que estimularam o adensamento de prédios em terrenos localizados próximos ao metrô e a corredores de ônibus – dispensando a garagem.
Na Vitacon, o CEO Alexandre Frankel viu aí uma oportunidade – e levou o conceito de adensamento ao extremo, com studios a partir de 10 m2. (Ele jura que as condições de sobrevivência são humanas.)
Enquanto o mercado olhava pra longe em busca de amplos terrenos, a Vitacon se voltou para áreas centrais, próximas a centros comerciais, universidades e linhas de metrô. Para o negócio ficar de pé, o jeito foi encolher o apê.
Na última década, a área útil média dos lançamentos em São Paulo caiu de 107 m2 para 69 m2, segundo dados do Grupo ZAP. O segmento de apartamentos compactos foi o único que se mostrou resiliente durante a crise. Apartamentos de até 30 m2 já representam 14% dos lançamentos – mais que o dobro de três anos antes.
A Vitacon nasceu incorporando para vender, mas cada vez foca menos em bricks e mais em bytes.
A empresa entrou no mercado de locação para rentabilizar o estoque parado – e encontrou na gestão de apartamentos residenciais um novo negócio.
A Housi é uma plataforma digital para locação nos imóveis construídos pela Vitacon. Funciona como um espécie de Airbnb. Já são 700 apartamentos – próprios ou de investidores que compram unidades para alugar nos prédios da Vitacon.
No ano passado, a empresa lançou seu primeiro co-living construído 100% para locação, na rua Bela Cintra. São 98 apartamentos de 30 a 70 m2 com lavanderia compartilhada, academia, coworking, bicicletário, restaurante grab and go e serviço de arrumação. Muitos dos serviços são cobrados à parte.
“O imóvel tem que andar conforme a vida das pessoas. Você mora sozinho, sobe na carreira, casa e precisa de um apê maior, mas aí os filhos vão embora, você separa e precisa de outra solução. Tem que ser um bem não imobilizado, que você possa trocar ao longo da vida,” diz Frankel.
Novata no setor imobiliário, a Gamaro – empresa dos antigos donos da faculdade Anhembi Morumbi que ficaram com alguns terrenos no entorno das faculdades – também começou construindo pra vender, mas viu uma oportunidade de locação com os serviços agregados na gestão do co-living.
No Kasa 99, que fica próximo ao Insper e ao campus da Anhembi Morumbi na Vila Olímpia, a academia e a garagem (aberta a não moradores) são operados por terceiros. A empresa já planeja um segundo, diz Renato Marostega, diretor do Kasa, possivelmente fazendo o retrofit de um imóvel existente.
Apesar de ainda muito focado em soluções para o andar de cima, o co-living é visto como uma alternativa interessante para resolver problemas de déficit de moradias e dos altos alugueis nos grandes centros urbanos.
A prefeitura de Nova York, por exemplo, está incentivando empresas a desenvolver co-livings populares, o ShareNYC.
No Brasil, algumas iniciativas estão surgindo na iniciativa privada. A Magik JC, que trabalha com financiamentos pelo Minha Casa Minha Vida, é focada em apartamentos compactos no centro da cidade para a baixa renda – quase uma exceção dado que o grande volume do MCMV está nas periferias.
O CEO André Czitrom assiste de camarote a onda do compacto hipster. “O cliente do segmento econômico sempre morou compacto.”
Empresa com selo B Corp – de negócios de impacto positivo para sociedade – a Magik JC investe em um desenho de planta inteligente para maximizar os espaços. Um apartamento de 25 m2 da Magik em um bom endereço no centro custa R$ 225 mil, enquanto no extremo leste da cidade, apartamentos de 30 m2 estão à venda por R$ 170 mil. “Na periferia é mais barato, mas não somos muito menores,” diz Czitrom.
Os apartamentos da Magik são completos, com sala, banheiro e cozinha. Não têm garagem. O co-living acontece na lavanderia e no bom e velho salão de festas.
No empreendimento recém lançado na rua General Jardim, o metro quadrado custa entre R$ 6,7 mil e 8 mil, pelo Minha Casa Minha Vida. A procura de gente que não se enquadra nas regras do programa é grande, dada a qualidade do projeto arquitetônico. “Por R$ 15 mil o m2 eu venderia para o cliente da Vitacon com lucro,” diz Czitrom.
Mas ele segue firme na missão de ocupar o centro da cidade com a baixa renda e está em busca de alternativas de financiamento social. Um exemplo: a ‘debênture do bem’, desenvolvida pela Gaia com a aceleradora Din4Mo para o Programa Vivenda, especializado em reformas nas favelas. “Quero tornar o negócio sustentável sem depender do MCMV.”
A Magik já entregou 2 mil unidades compactas no centro. A meta é dobrar esse número até 2023.