Aumentando o tom em sua guerra para manter o controle da AES Tietê, a AES Corp. está contestando o direito dos preferencialistas da Tietê de decidir sobre o futuro da empresa em assembleia — atacando o pilar sobre o qual se escora a proposta da Eneva.
 
Tanto o Nível 2 de governança da B3, do qual a Tietê faz parte, quanto o estatuto da companhia garantem aos preferencialistas o direito de votar em matérias de incorporação, fusão ou cisão.
 
Mas numa carta enviada agora há pouco ao conselho da Tietê, a AES Corp diz que está “claro para nós que a combinação de negócios proposta não pode ser implementada sem a aprovação da maioria dos titulares de ações ordinárias da Companhia.”
 
A companhia diz que “reconhece” o direito de voto restrito em determinadas matérias atribuído aos titulares das PNs, mas não admite que tal direito restrito “possa compelir a maioria das ações com direito a voto a acatar a vontade das ações sem direito a voto, as quais não possuem qualquer dos deveres e responsabilidades dos acionistas com direito a voto.”
 
Em entrevista ao Brazil Journal, os dois advogados contratados pela AES Corp. — Carlos Mello, do Lefosse, e Paulo Aragão, do BMA — detalharam a tese jurídica.  Para eles, o direito de voto dos preferencialistas foi criado para defendê-los de eventuais abusos por parte do controlador, mas não para lhes entregar as rédeas da companhia.
 
Se os preferencialistas puderem forçar a AES Corp a aceitar a incorporação da Tietê pela Eneva, “você acaba criando um conceito de que o controle só vale para deliberações não-capitais na vida da companhia, o que seria uma situação absurda,” disse Aragão.
 
Mello disse que a regra que permite o voto das PNs foi escrita especificamente para disciplinar situações em que o controlador quer incorporar a companhia, e não para quando um terceiro deseja a incorporação. 

Para ilustrar como o regulamento “não foi escrito para isso,” Mello fez uma analogia com uma empresa de Nível 1 que quisesse incorporar uma empresa de Nível 2.
 
“Se formos seguir a literalidade do estatuto, no final tem que haver uma OPA de saída do Nível 2, e o controlador é quem tem a obrigação de fazer a OPA. Imagina a Eldorado fazendo uma oferta de incorporação pela Klabin: os detentores de PNs aprovam, e a família Klabin tem que lançar a OPA.  Isso seria um abuso de forma, porque o controlador nunca esteve no controle deste processo.”  
 
A AES Corp. tem 60% das ONs da Tietê, mas apenas 24,5% do capital total.  O BNDES e a Eletrobras, dois grandes acionistas, devem votar a favor da proposta da Eneva.
Na semana passada, o CFO da Eneva, Marcelo Habibe, disse que detentores de 50% do capital total da Tietê já estariam a favor da proposta da Eneva. Ontem, o conselho da Tietê rejeitou a oferta por unanimidade, incluindo (estranhamente) o representante do BNDES.

Agora, a tese desenvolvida pela AES parece ser uma ameaça velada de jogar o assunto para arbitragem.

 
Perguntado se a AES pretende ‘judicializar’ a questão, Aragão respondeu:  “A visão da companhia é que isto está errado, e ela vai defender os direitos dela.”