Antes das empresas ‘asset light’ e das novas fortunas geradas pela transformação digital, havia apenas a força bruta do capital que toma risco e intervém na natureza, criando indústrias inteiramente novas.
Erling Lorentzen, que morreu esta semana aos 98 anos, foi um destes capitalistas. Um dos pais do Brasil industrial, o fundador da Aracruz deixa um legado de vanguardismo, ambição e excelência operacional.
Ambientalista antes do tempo, exigiu padrões internacionais na Aracruz antes que a lei brasileira obrigasse. Foi um viking gentil nos negócios: desbravou e conquistou, mas nunca colocou a empresa à frente das pessoas que a construíram. Encarnou o ESG antes do termo ser inventado.
Foi parte de um panteão de empresários — ora dependentes do Estado, ora apoiados em suas próprias pernas — que empurraram a fronteira do que era possível na infraestrutura e na indústria, um arco de empreendedorismo que vai do Barão de Mauá a Eike Batista, todos sujeitos a sucessos e derrotas.
Em 1967, Lorentzen começou a plantar eucaliptos no Espírito Santo com um objetivo modesto: exportar cavacos, a madeira picada usada para gerar energia ou fazer celulose. O plano logo mudou quando Lorentzen enxergou o potencial de agregar tecnologia e produzir celulose.
Cinco anos depois, nascia a Aracruz, o negócio que mais lhe deu orgulho, “e o que estava mais perto do meu coração,” Lorentzen disse certa vez. A empresa começou produzindo apenas 400 mil toneladas por ano — muito para a época — e se tornou ao longo de décadas uma gigante de mais de 3 milhões de toneladas.
Na época, o Presidente Ernesto Geisel questionou se deveria “apoiar esse louco norueguês que está insistindo em fazer uma fábrica de celulose no Espírito Santo,” como o próprio Lorentzen gostava de lembrar em entrevistas.
A indústria da celulose no Brasil fora inventada anos antes, em 1956, quando Max Feffer começou a produzir celulose na Suzano usando fibra de eucalipto a partir de uma tecnologia que a empresa desenvolveu num laboratório na Flórida. Em 61, os Feffer começaram a fabricar papel.
Mas enquanto a Suzano criou uma operação verticalizada, com foco industrial, Lorentzen apostou na celulose como commodity para exportação.
Ao longo de décadas, sua ambição e capacidade de gestão transformaram a Aracruz na maior companhia do setor, e aquela que popularizou a celulose de fibra curta no mundo.
Carlos Aguiar, que presidiu a Aracruz e a Fibria por 28 anos, conta que na época havia apenas uma fábrica que produzia celulose de eucalipto no mundo. “Nós mandamos gente para o exterior para estudar e aprender sobre essa tecnologia. Depois, fizemos plantas pilotos e começamos a vender no exterior.”
A Aracruz foi a primeira empresa do setor a vender para a China, ainda em 1982. “Perdemos algum dinheiro no início, porque o frete era caro e os volumes, pequenos. Mas enxergamos o potencial de longo prazo de um país com mais de 1 bilhão de pessoas,” lembra Aguiar.
Quando a Jari Celulose se deu mal com o plantio de uma árvore originária da Indonésia e teve que mudar para o eucalipto, Lorentzen enviou sementes para a concorrente, sem cobrar nada. Questionado por seus executivos, disse que a Aracruz precisava de uma concorrência de qualidade, pois os clientes não gostariam de ficar nas mãos de um único fornecedor, ainda mais de uma celulose ainda desconhecida no mercado.
Em 2008, um momento dramático: em meio à crise global, a Aracruz perdeu US$ 2 bilhões com derivativos. Lorentzen vendeu sua participação no ano seguinte como parte da fusão com a Votorantim Celulose e Papel (VCP) que deu origem à Fibria, incorporada pela Suzano em 2019.
Era bilionário, mas vivia como uma pessoa comum. Dirigia um velho Mercedes vermelho e sempre morou no mesmo apartamento no Rio. Também passava muito tempo no interior do Espírito Santo, fosse em sua casa em Pedra Azul ou na casa para hóspedes adjacente à fábrica da Aracruz, onde recebeu do Príncipe Charles ao rei da Suécia. Era velejador e amava a marcenaria.
Sobre o sucesso que teve, resumiu sua fórmula numa entrevista à Harvard Business School:
“Há um ditado que diz que nada é ‘impossível, é só que o impossível leva um pouco mais de tempo para ser feito’. Eu acho que é muito importante se convencer do que você está fazendo e não desistir sob nenhuma circunstância, porque no meio do caminho você vai enfrentar centenas de dificuldades. Tanta coisa pode acontecer no meio do caminho… O sucesso é uma questão de persistência.”
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Erling Sven Lorentzen nasceu em 28 de janeiro de 1923 em Oslo, o sexto filho de Øivind Lorentzen e Ragna Nilsen.
Lutou na Segunda Guerra Mundial; casou-se com a princesa Ragnhild da Noruega, então a primeira na linha de sucessão; e, mais tarde, mudou-se para o Brasil, onde construiu um império que começou com um negócio de gás de botijão antes de culminar na Aracruz.
Lorentzen tinha apenas 17 anos quando se voluntariou para lutar na Segunda Guerra. Por ser menor de idade, começou como enfermeiro — mas quatro anos depois já liderava um pelotão de resistência à ocupação nazista.
Numa entrevista a Harvard, relembrou a vida nas trincheiras:
“Eu vivi por anos e anos sem saber se estaria vivo ou morto no dia seguinte. E o mais importante, eu acho, foi viver com pessoas que estavam sob essas mesmas condições de estresse. Isso causou uma impressão muito importante na minha vida.”
“Eu era muito jovem e já tinha que lidar com responsabilidades e riscos enormes (…) Eu acho que nessas circunstâncias você realmente vê do que as pessoas são feitas, o que elas valem. Não há nada de artificial nisso.”
Depois da guerra, Lorentzen estudou em Harvard e voltou à Noruega para trabalhar no negócio da família: uma linha de frete marítimo que ligava o Golfo do México ao Brasil e à Argentina.
Foi em 1951, então com 28 anos, que visitou o Brasil pela primeira vez. Veio se encontrar com parceiros comerciais, mas acabou comprando uma distribuidora de gás liquefeito que pertencia à Exxon.
Para a criação da Aracruz, uma conversa foi decisiva.
“Eu estava discutindo com um amigo americano que também vivia no Brasil sobre os riscos e incertezas de fazer negócios no País quando ele me disse: ‘No final, tudo que você tem que fazer é fechar os olhos e pular’. Foi um ótimo conselho e foi exatamente o que eu fiz.”
E, num diagnóstico que permanece atual, ensinou:
“Os brasileiros têm uma tendência a se tornar extremamente pessimistas quando as coisas estão ruins, e extremamente otimistas quando as coisas estão boas. Eu tento sempre evitar ser muito pessimista ou muito otimista.”
Eliezer Batista, que chamava Lorentzen de “o mais brasileiro de todos os nórdicos,” escreveu sobre o amigo: “A forma que encontrou para demonstrar seu sentimento é investir continuamente no país. Há poucos brasileiros que tenham tanta confiança no Brasil quanto ele.”
Depois de vender a Aracruz, Lorentzen continuou pensando em inovação. Comprou uma empresa que estava desenvolvendo pesquisas sobre mineração com baixo uso de água, o que poderia mitigar o risco das barragens de rejeitos, relembra Paulo Hartung, o ex-governador do Espírito Santo.
Depois da tragédia de Mariana e pouco antes de Brumadinho, a Vale pagou US$ 500 milhões pela empresa, a New Steel.
Lorentzen não parou de trabalhar e pensar em novos projetos até perto do fim.
Por volta de 2011, interessou-se em levar desenvolvimento à África.
“Meus amigos americanos me falaram que temos que ajudar a África, e não podemos ajudar apenas com palavras, temos que ajudar investindo,” Lorentzen disse, no relato de Hartung.
Começou um projeto em Gana. Inicialmente, sua ideia era fazer uma fábrica de celulose nos moldes da Aracruz, mas foi convencido pelos técnicos a construir uma termelétrica, que usaria os cavacos de uma nova floresta para gerar energia elétrica.
“Quando ele me contou da ideia eu falei pra ele que o eucalipto levaria 10 anos para crescer e, como ele já tinha 90 anos, ia ser difícil ver o resultado do projeto,” lembra Carlos Aguiar.
Lorentzen devolveu na lata: “Você está achando que vou morrer cedo? Eu vou passar dos 100.”
Erling Lorentzen não chegou aos 100 anos, mas neste momento, em algum lugar de Gana, uma floresta está crescendo, e eternizando seu legado.
O empresário deixa os filhos Haakon, Ingeborg e Ragnhild, além de netos e bisnetos.
SAIBA MAIS (HIGHLY RECOMMENDED):
Carlos Aguiar e seu relato pessoal: o Lorentzen que eu conheci