Dona de um passado glorioso que remete ao Brasil industrial, a Companhia Melhoramentos está executando um plano para se transformar numa desenvolvedora imobiliária – parte de uma estratégia que já renovou o management e está recuperando as finanças e redesenhando a governança da empresa.
Por muito tempo, sempre que enfrentava problemas de liquidez, a Melhoramentos saía do sufoco vendendo alguns de seus muitos terrenos. Agora, a empresa centenária pretende usar seus 150 milhões de metros quadrados – um landbank gigante numa região estratégica da Grande São Paulo – para desenvolver imóveis residenciais, comerciais e de logística.
A missão de trazer um olhar novo ao negócio foi dada ao CEO Rafael Gibini, que chegou à Melhoramentos em 2020, em plena pandemia. Rafael foi escolhido por um conselho de administração renovado, depois que as famílias Weiszflog, Plöger e Velloso – que detêm 95% da Melhoramentos – decidiram profissionalizar a gestão em busca de perenidade e crescimento.
Em 2019, os controladores deram metade das 10 vagas no conselho para membros independentes – entre eles o chairman Helio Magalhães, ex-presidente do Citi; Thibaud Lecuyer, fundador do Grupo Dafiti e hoje CFO da Loggi; Andiara Petterle, ex-executiva do Grupo RBS; e Marcio Guedes, o veterano banqueiro do mercado de capitais.
Totalmente renovada, a diretoria hoje tem idade média de 39 anos.
“A família pediu inovação e deu carta branca à nova gestão,” diz Rafael, que foi sócio de uma consultoria de inovação e teve passagens pela Suzano e Grupo ZAP Viva Real.
O novo management examinou as três áreas de negócio da empresa – a editora e os segmentos florestal e imobiliário – e decidiram buscar parceiros e novas possibilidades para impulsionar as três linhas.
A aposta no ramo imobiliário tem razão de ser: o grosso do landbank da Melhoramentos fica nos arredores de São Paulo e no Sul de Minas, em localidades como Caieiras, Cajamar, Bragança e Camanducaia – alguns dos CEPs logísticos mais procurados do País. Os terrenos estão avaliados contabilmente em R$ 1 bilhão.
“Agora, em vez de vender terrenos para melhorar os resultados, vamos buscar sócios que tenham a expertise necessária para desenvolver empreendimentos nessas áreas e gerar uma receita recorrente para a empresa,” Rafael disse ao Brazil Journal.
Lá atrás, a Melhoramentos já vendeu terrenos onde serão erguidos o novo Ceagesp e um aeroporto planejado pela CCR (na região de Caieiras) para depois de 2030. Mas a empresa mantém outros terrenos nos arredores desses projetos e acredita que pode faturar com empreendimentos adjacentes. O portfólio inclui ainda uma área florestal próxima à cidade de Monte Verde que a Melhoramentos estuda transformar num parque turístico.
No médio e longo prazo, a ideia é que o segmento imobiliário represente a maior parte da receita da companhia – hoje, 80% vem da venda de celulose.
A Melhoramentos produz uma fibra de alto rendimento, que dá resistência ao papel e foi muito demandada na pandemia por conta do aumento da produção de embalagens para delivery.
A nova gestão está estudando novos usos para essa fibra e as florestas de eucaliptos e pinus – por exemplo na cadeia têxtil – e também planeja transformar os resíduos das florestas em energia renovável.
Já a Editora Melhoramentos – que impactou a infância brasileira com autores como Ziraldo e José Mauro de Vasconcelos – passou a investir em outros nichos, aproveitando, por exemplo, a febre dos autores youtubers.
A editora, hoje liderada por uma ex-executiva de marketing da Coca-Cola, Fernanda Saboya, está fazendo parcerias para agregar tecnologia aos livros didáticos, apostando que eles cada vez mais precisarão de um complemento digital. Na pandemia, a empresa – que era muito dependente de vendas nas livrarias Saraiva e Cultura, ambas em recuperação judicial – passou a vender nos marketplaces e criou um ecommerce B2C.
Mesmo num cenário de aumento de custos e inflação, a Melhoramentos conseguiu entregar um crescimento relevante de receita em 2021 – uma alta de 44%, para R$ 144 milhões.
Já o EBITDA – que ficou R$ 33,8 milhões no vermelho em 2020 – está zerando as perdas. (Ajustado por resultados não recorrentes, ficou negativo em apenas R$ 1,6 milhão no ano passado.)
Carolina Alcoforado, que acumula as funções de COO e CFO da Melhoramentos, disse que os números de 2021 e deste início de ano apontam para uma recuperação de eficiência operacional – mas o lucro, que não aparece desde 2018, continua distante. A empresa teve prejuízo de R$ 34 milhões em 2021, 38% menor que o de 2020.
A executiva também está reaproximando a Melhoramentos dos bancos de primeira linha. “Não foram eles que fecharam as portas; a empresa não os procurava.”
No ano passado, a Melhoramentos captou R$ 100 milhões num CRI de 3 anos que serviu para alongar a dívida. “Eu digo que com o balanço da Melhoramentos, essa operação foi uma grande vitória”, disse a CFO.
A Melhoramentos é listada na Bolsa desde 1977, mas não tem liquidez. “Pensamos em fazer uma oferta de ações, mas não agora. Antes precisamos mostrar resultados resilientes. São muitos anos de resultados ruins e precisamos consertar isso primeiro,” disse Carolina. Novas operações com o mercado de capitais poderão surgir com as parcerias que forem fechadas para desenvolver os projetos imobiliários, florestais ou na editora.
Os irmãos alemães Otto e Alfred Weiszflog começaram a Melhoramentos como uma gráfica no bairro da Lapa há 132 anos. O nome foi escolhido porque eles queriam “melhorar São Paulo.”
Como os livros precisavam de papel, e o papel precisa de floresta, os fundadores foram verticalizando “do livro à árvore.” Em 2009, a Melhoramentos Papéis – que fabrica as marcas Softy’s, Sublime e Kitchen – foi vendida para o grupo chileno CMPC.