Quando vi a nova identidade visual da Johnson & Johnson, apresentada no início deste mês, fiquei com raiva – e quando li a defesa por trás da mudança, minha raiva aumentou.
É verdade que recentemente a J&J teve uma mudança significativa em seus rumos. Mas será que isso justifica a mudança na marca?
Certa vez ouvi Alexandre Wollner – o grande designer por trás de marcas como a do Itaú, Hering e Klabin – dizer que marcas precisam ser revistas “a cada dois anos”, mas, claro, revisar não significa ter que mudar tudo. Às vezes esse exercício pode apontar que a marca está bem, e segue o jogo.
Mas como ponderar a necessidade de mudança de uma marca que está há mais de 130 anos no mercado?
O logotipo da Johnson & Johnson que todos conhecemos data de 1887 e foi inspirado na assinatura de um de seus cofundadores, James Wood Johnson. A marca fez parte da infância de diversas gerações, e está intimamente associada no imaginário coletivo ao reconfortante “cheirinho de bebê”.
Os clássicos traços precisos e sua tipografia cursiva agora foram substituídos por uma tipografia de certa forma mais careta, com ares burocráticos e “cheiro de escritório”. Naturalmente, esse tom mais sério abandona o sentimento de tradição sugerido pelo desenho original, mas antes de explicar os motivos oferecidos para a mudança, quero propor uma reflexão: por que as marcas mudam?
Para além do senso comum, uma marca é muito mais do que um logotipo. Marca é conceito, promessa, produto, serviço e, acima de tudo, construção. O logotipo é apenas uma de suas formas de expressão, e sua principal função é assinar os pontos de contato da empresa através de um desenho que sintetize os conceitos e valores que ela quer comunicar – e, consequentemente, vender. O que nos leva a outro ponto importante: logotipos não devem ser representações literais dos produtos que a empresa comercializa.
Eu sempre me lembro dessa máxima na hora do almoço. Como amante de pimenta do reino, descobri que o moedor de pimenta manual, aquele que a gente gira para extrair o aroma fresquinho dos grãos na hora, foi desenvolvido por Jean Pequignot Peugeot muito antes da empresa de moedores de grãos começar a produzir carros.
A Peugeot já mudou seu logo mais de 15 vezes, mas nunca usou um moedor ou mesmo um carro. Lá sempre esteve o leão, representando valores como altivez, poder e arrojo. E isso provavelmente vai continuar valendo, mesmo se um dia eles deixarem de produzir carros e passarem a construir foguetes.
É um caminho semelhante ao da Apple. Muito longe de vender maçãs, seu logo minimalista representa tanto a inovação – remetendo à fruta que supostamente caiu na cabeça de Isaac Newton – quanto ao desejo da maçã proibida, aquela que não é para qualquer um. E são esses conceitos que misturam tecnologia de ponta com o desejo de exclusividade e fazem com que muita gente troque de iPhone a cada novo ano.
Ora, se uma marca comunica valores e sentimentos, entendemos que ela precisa ser revista sempre que uma empresa mudar sua essência. A isso chamamos reposicionamento de marca, e foi o que a J&J fez.
Antes a Johnson era vista como uma empresa de produtos de cuidado e fortemente ligada à infância, com shampoos e óleos para bebês em seu portfólio. Desta forma, seu logotipo desenhado à mão remetia principalmente à manufatura e ao carinho.
Agora, a empresa se voltou para a venda de produtos para saúde, com foco em farmacêuticos e dispositivos médicos, cujas vendas superam – em muito – as linhas de cuidado infantil. E isso justifica a mudança.
Mesmo tendo apego e reconhecendo a beleza do logotipo original, entendo que essa intrínseca ligação ao universo materno infantil, fruto de décadas de comunicação e exposição de marca, se torna frágil considerando o que a empresa escolheu comunicar agora. O fato é que a marca vai falar mais para o universo corporativo, relegando o visual que a gente conhece às assinaturas de apenas alguns produtos para crianças.
Meu lado emocional sente a mudança, principalmente pela perda de carisma e pertencimento que as formas originais traziam, com letras exclusivas que foram substituídas por letras genéricas, sem personalidade e que podem ser confundidas com qualquer tipografia grotesca, ou seja, sem serifas, comuns a tantas marcas modernas.
Isso pode ser notado na nova assinatura reduzida (J&J), onde o “&” tem traços mais arrojados e vistosos do que os próprios “J”. Concordo que o reposicionamento da empresa no mercado pedia a revisão da marca, mas o caminho escolhido a esvaziou de sentimento. Se a tipografia antiga ativava o cheiro de bebê em nosso cérebro, a atual não ativa nada.
A justificativa para a escolha do visual foi o fato de que “muitas crianças não aprendem mais a escrever letras cursivas. As pessoas podem reconhecer a assinatura, mas não a estavam necessariamente lendo,” como a consultora de marketing Laura Ries disse à Brand Equity. Mas não seria esse o desejo de toda marca? Ser reconhecida antes até da leitura verbal, como acontece quando crianças identificam a da Coca-Cola muito antes de aprenderem a ler?
Concordo, por fim, que se a empresa escolheu se comunicar com outro público, precisava mexer. Mas um briefing que pede para abandonar os conceitos de carinho e infância e passar a expressar algo mais sério e industrial não pode ser trabalhado de qualquer maneira.
O caminho, na minha opinião, seria desenhar uma nova tipografia icônica. Mesmo que ela não tivesse a classe da original, pelo menos manteria a sensação de exclusividade, com letras que não seriam vistas em qualquer outro lugar fora dos domínios da Johnson & Johnson. Da forma que está, falta carinho e sobra generalização.
Draco é designer e ilustrador, com mais de 20 anos de experiência na criação de marcas e identidade visual. X: https://x.com/DracoImagem